Os doces da aldeia também sofrem com a pandemia
Numa época em que cada vez mais pessoas se preocupam com o culto do corpo ainda há quem não resista a dar umas facadinhas na dieta. Helena Inácio, proprietária da “Casa dos Bolos”, em Ribeira Ruiva, e Joaquim Mendes, dono da “Doces da Aldeia”, em Rio Maior, entregam-se à arte da confecção de bolos para fazerem os seus clientes mais felizes… e mais gordos, se caírem no exagero. Uma reportagem de O MIRANTE, em tempo de pandemia, a propósito do Dia Mundial da Pastelaria.

Na “Casa dos Bolos” da Ribeira Ruiva trabalha-se com paixão
O cheiro dos bolos acabados de cozer no forno sente-se à entrada da porta de rede da “Casa dos Bolos”, em Ribeira Ruiva, concelho de Torres Novas. Na mesa de mármore, no centro da cozinha, Helena Inácio prepara mais uma fornada de broas de chocolate que seguem para o forno, onde já estão bolos de outras variedades a serem controlados pelo olhar da doceira que não os quer deixar queimar. Helena Inácio, 68 anos, é natural da Chamusca, mas mudou-se para Ribeira Ruiva há cerca de quatro décadas à procura de um emprego que lhe desse mais qualidade de vida.
Antes de se dedicar à pastelaria, Helena trabalhava na agricultura e fazia outros trabalhos sempre que precisava de arranjar mais algum dinheiro. A paixão pelos bolos surge por brincadeira com uma amiga de longa data. Começaram por fazer broas, chamadas “lesmas”, que venderam numa mercearia tradicional depois de convencerem a proprietária da qualidade do produto. O negócio correu tão bem que nunca mais parou de se dedicar ao ofício.
Quem procura os doces de Helena sabe que vai levar para casa, fundamentalmente, bolos secos: broas de mel e noz; de café; chocolate; mel e noz fervidas; bolinhos de amêndoa e coco; bolinhos de laranja; broas de fruta; bolachas de noz; moinhos de laranja; lagartos; bolos de cabeça e ferraduras. Os doces tradicionais da época natalícia também fazem parte do cardápio. Decidimos privilegiar os bolos secos porque não se encontram em todo o lado e queremos fazer diferente da concorrência”, afirma a O MIRANTE.
A sua empresa vende para o comércio tradicional e hipermercados da região e vai, sempre que possível, a feiras de doçaria para dar a conhecer os seus produtos. Tem clientes que vêm das grandes cidades para comprar os seus produtos. Helena Inácio explica ao repórter qual o segredo para tanta procura: “mais importante do que a qualidade da receita é o amor que se coloca na altura da confecção”.
Além das duas funcionárias, o marido e a filha são os braços-direitos que a ajudam a manter o negócio lucrativo, mas é a dedicação ao trabalho que faz a diferença. “Trabalhamos cerca de 9 horas por dia, mas se alguém tocar à campainha à hora de jantar, como acontece várias vezes, vamos atender o cliente”, sublinha.
Helena diz que sempre gostou de passar serões na cozinha, paixão que herdou da sua avó paterna. Recorda que a outra avó fazia bolos com recurso a um fogareiro a petróleo numa época em que ainda não existiam fogões. “As formas tinham um buraco e uma peça preta por baixo e era cozido em lume brando. A caneca era a medida que se utilizava para juntar os ingredientes. Era tudo muito simples, comparado com os dias de hoje, mas os sabores eram incríveis”, lembra com saudade.
Helena Inácio afirma que aprendeu a ser pasteleira colocando as mãos na massa. Baseia-se em receitas já existentes, mas o toque final tem de ser sempre seu. Embora a pandemia esteja a afectar a maioria dos pequenos negócios, Helena diz que as encomendas continuam a ser muitas porque foi fidelizando clientes ao longo dos anos. “Ter uma empresa familiar ajuda na relação com o cliente. A confiança na qualidade do produto é a alma do negócio”, vinca.

“Doces da Aldeia” em Rio Maior é uma grande família
Joaquim Mendes tem 72 anos e é empresário há mais de quatro décadas. A sua empresa, “Doces da Aldeia”, teve quebras de 90% devido à pandemia de Covid-19. A fábrica, situada na Zona Industrial de Rio Maior, trabalhou três meses em 2020 e os cerca de 30 funcionários recomeçaram a laborar há cerca de duas semanas. Tiveram de ir para lay-off e houve momentos em que Joaquim Mendes pensou que o negócio não iria resistir. Apesar da situação actual estar muito longe de ser a melhor o empresário acredita que o pior já passou.
No entanto, não esconde a revolta e critica os deputados eleitos pelo círculo de Santarém à Assembleia da República, por defenderem os interesses dos partidos e não os interesses dos empresários que precisam de ajuda. “Custa-me ver que os deputados do distrito não têm a coragem de bater o pé e dizer o que se passa na Assembleia da República. Não houve um deputado do partido do Governo a perguntar o que se passa connosco. O Governo promete milhões mas depois coloca-nos a todos no mesmo saco. Qualquer ajuda financeira é bem-vinda, mas para as quebras que tivemos recebemos apenas migalhas”, lamenta, Joaquim Mendes.
O empresário, que iniciou a sua vida profissional na empresa Carnes Nobre, decidiu, nos anos 80, nunca mais trabalhar por conta de outrem e abriu um armazém de produtos alimentares. Com a expansão dos hipermercados em Portugal voltou-se para o ramo da pastelaria. A sua esposa, Maria de Jesus, confeccionava os doces depois de regressar do seu emprego e Joaquim ia vendê-los aos restaurantes. O empresário recorda que, no distrito de Santarém, a sua empresa foi pioneira na venda de doces em taça em dose individual. Inicialmente os restaurantes não estavam muito receptivos à ideia, mas com persistência conseguiu e o projecto revelou-se um sucesso.
Foi nessa altura que o negócio começou a expandir-se e deixaram a cave da casa onde viviam, transformada em armazém e adaptada para fabrico, e mudaram-se para as instalações na zona industrial. O empresário afirma que o sucesso da sua empresa deve-se à qualidade dos produtos e ao facto de continuarem a confeccionar grande parte dos doces de forma tradicional. O esforço da equipa de trabalho tem permitido aumentar os números ao nível da exportação, factor que tem sido determinante para o reequilíbrio da empresa.
A “Doces da Aldeia” vende todo o tipo de sobremesas e tartes e os principais clientes são restaurantes e hipermercados. Embora a empresa tenha uma dimensão considerável, Joaquim Mendes continua a manter o seu carácter familiar. Prova disso são os seus filhos, Gonçalo e Duarte Santos, que já seguem os passos do pai na administração da empresa.