uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“A sociedade civil portuguesa trata muito mal a sua língua”
Orlando Ferreira é presidente da Rotas da Lusofonia, associação cultural de Vila Franca de Xira

“A sociedade civil portuguesa trata muito mal a sua língua”

Orlando Ferreira é o presidente da Rotas da Lusofonia, uma discreta associação de Vila Franca de Xira que projecta o seu trabalho para o mundo. O seu foco é singular: promover a língua portuguesa acrescentando-lhe valor, arte, cultura, turismo e economia.

A Rotas da Lusofonia é uma pequena associação que nasceu em 2015 entre um grupo de amigos que tinham em comum uma paixão pelo Japão e, claro, pela língua portuguesa. Começaram por editar o livro bilingue “Bom Dia Japão” com o objectivo de estabelecer uma ponte entre alunos de escolas portuguesas e japonesas.

Sabem que são fora da caixa e não dependem de subsídios da Câmara de Vila Franca de Xira, porque lhes basta o apoio logístico durante as conferências internacionais que realizam na biblioteca da cidade, Fábrica das Palavras. A primeira foi com o Japão, a segunda com Cabo Verde e a próxima será em 2022 com a África do Sul. Nesses espaços de partilha fala-se da língua cá dentro e no mundo, mas também da arte, cultura, economia.

Como é que professores, gestores, empresários e artistas se juntam para criar uma associação sobre língua portuguesa?

Do ponto de vista concelhio não havia oferta de uma associação de encontro e partilha que girasse à volta da língua portuguesa e que a aproveitasse como espaço criador de futuro na cultura, ciência, economia, turismo e lazer. A língua portuguesa traz a sua história em cada palavra, mas é preciso criar-lhe um novo horizonte. É o que fazemos ao promovermos encontros com países ou associações do que vulgarmente se chama de lusofonia, mas também com toda a geografia que tenha interesse em Portugal e na sua língua.

São uma associação com doze sócios porque são elitistas?

Não tem a ver com aspectos elitistas, mas por termos um perfil único que se afasta dos restantes. O perfil normal das associações é angariar associados e obter receita; no nosso caso é trabalhar com pessoas que queiram estabelecer parcerias com a associação e fiquem como associados honorários.

A língua portuguesa é a quarta mais falada no mundo com 250 milhões de falantes. Sabemos tirar proveito disso?

Tirando pequenos nichos ainda não sabemos. Do ponto de vista económico, a língua portuguesa vale 17 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) português. Depois basta observar que, pelo menos, 50 por cento do discurso sobre a língua portuguesa é relacionado com a sua história ficando em falta a ideia de se lhe acrescentar novo valor. Essa é uma discussão rara em Portugal que precisa de ser feita.

Todos pecamos nesse sentido?

A sociedade civil portuguesa trata muito mal a sua língua do ponto de vista do rigor da sua escrita. Começa a ver-se por todo o lado uma multiplicação de erros ortográficos e de acentuação e discursos como o que ouvi na rua entre duas jovens em que uma pergunta: “Tipo quê?” e a outra responde: “Tipo coiso”. Algo terrível que acontece devido à ausência de vocabulário.

O novo acordo ortográfico veio na sua opinião potenciar o valor da língua portuguesa através da sua unificação?

Não me parece que um acordo que tenda a levar a ortografia para um lugar mais próximo da oralidade e se afaste da etimologia venha acrescentar muita coisa. Muito menos em nome de uma espécie de unidade da escrita que nunca vai ser alcançada, mas que o deve ser do ponto de vista científico e nesse sentido está a ser, e bem, trabalhada. Se chegarmos ao ponto de escrever exactamente como falamos um dia vamos ter de nos perguntar afinal para que serve a escrita.

“As pessoas lêem o título de uma notícia e acham que compreenderam o mundo”

A escrita parece que se lê e se escreve melhor em papel. Há uma espécie de afectividade com o papel que engloba o desejo de cheirá-lo, de sublinhar as palavras, dobrar folhas e fazer recortes. E é devido a esta espécie de relação simbiótica que Orlando Ferreira defende que apesar de haver “muitos profetas da desgraça em relação aos jornais em papel eles não vão acabar nunca”. “A imprensa em papel, como é o caso de O MIRANTE, tem o seu espaço e é desejável que o tenha”, diz, acrescentando que, lamentavelmente, hoje “as pessoas lêem o título de uma notícia, ouvem dois segundos o que passa na televisão e acham que compreenderam o mundo”.

Um mestrado aos 40 anos e a poesia como as mil e uma formas de ver o mundo

Orlando Ferreira nasceu em Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, há 58 anos. Licenciou-se em Ciências da Comunicação, mas escolheu fazer carreira profissional no ensino, como professor de Português e História. Actualmente lecciona numa escola em Arruda dos Vinhos, vila onde decorreu esta conversa. É casado e tem uma filha. Aos 40 anos decidiu “renovar conhecimento” e tirou um mestrado em Estudos Portugueses. Apaixonado pela Língua Portuguesa já se atirou às palavras e escreveu um livro, mas é na leitura que se perde. Prefere autores portugueses e lusófonos. A palavra preferida “é poesia, sem dúvida, porque é a poesia que nos dá a capacidade para percebermos o mundo de outra maneira. A poesia faz-se de tudo”.

“A sociedade civil portuguesa trata muito mal a sua língua”

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido