Na Ginástica Artística do Náutico de Abrantes a saúde mental vale mais
São ginastas medalhados que não cedem à pressão de terem que ser os melhores. A grande vitória é serem felizes a fazer desporto. No Clube Náutico de Abrantes a ginástica artística faz-se com persistência e repetição, mas com limites, liberdade e entreajuda.
Faz-se o aquecimento, alonga-se e cada um posiciona-se em frente ao aparelho indicado pela treinadora. Trave, paralelas, cavalo. Repetem-se os exercícios até se chegar o mais perto possível da perfeição. Sem pressões, nem julgamentos. Cada ginasta vai até onde o seu corpo e a sua mente lhe permitem. Todos se ajudam e incentivam. Esta receita parece funcionar para os 70 atletas de ginástica artística do Clube Náutico de Abrantes (CNA), que vão somando vitórias: Nas duas últimas épocas 105 medalhas arrecadadas nas competições distritais.
O clube também se tem destacado por ser o único que se apresenta em prova com ginastas de todos os escalões nos géneros feminino e masculino. O que esbate a ideia de que a ginástica não é desporto para rapazes. “Os pais que no início não querem que os filhos venham acabam por se render ao perceber que é aqui que são felizes”, destaca a treinadora, Ana Rainho, que também é mãe da Diana e do Diogo, dois ginastas do clube.
Diogo Gil tem 20 anos e é ginasta há seis. Podia ter começado mais cedo como a irmã, que se iniciou aos três anos, mas os pais nunca o incentivaram. “Provavelmente achavam que eu não queria, mas sempre quis”, conta explicando que foi o próprio quem deu esse passo. Hoje é um dos ginastas mais medalhados do clube, com o título de vice-campeão distrital na geral de sénior e 14 medalhas conquistadas nas duas últimas competições.
Nos treinos, o estudante de engenharia mecânica dá dicas aos mais novos. António Oliveira, de 19 anos, faz o mesmo. “Este clube move-se pela entreajuda. O espírito nunca é querer ser melhor que o outro, mas aproveitar o desporto para nos desenvolvermos enquanto pessoas”, sublinha. A treinadora acrescenta que se trata de um “desporto individual, mas onde todos treinam como se fossem uma equipa e se querem superar a si mesmos e não a outro atleta”.
Saúde mental em primeiro lugar
No terceiro treino da semana, que decorre no pavilhão da Escola Secundária Doutor Solano de Abreu, além dos sorrisos de quem acaba de conseguir melhorar um salto ou acrescentar pirueta e meia ao mortal, vêem-se expressões de esforço e cansaço de tanto se repetir o mesmo movimento e falhar. “A ginástica é mesmo assim, esforço, muito trabalho, dedicação e persistência”, diz Joana Silva, ginasta de 15 anos. “Trabalhamos, mas não pensamos demasiado nas competições porque isso faz mal”, acrescenta Diana Gil, enquanto se prepara para subir para a trave.
Num ano em que a modalidade fica marcada pela desistência da tetracampeã olímpica, Simone Biles, dos Jogos Olímpicos de Tóquio em nome da sua saúde mental, a treinadora do CNA, destaca que o mais importante é ensinar os atletas a gerir expectativas e dar-lhes espaço para fazerem em prova os exercícios em que se sentem mais confiantes e confortáveis. “Desde que não represente risco para eles é essa a minha política, nem sempre entendida por treinadores de outros clubes”, refere, evidenciando que está “a ajudar a formar pessoas antes de formar atletas”.
Treinar com aparelhos improvisados
Na ginástica, como na vida, as dificuldades tornam-nos mais fortes. É esta a premissa defendida por Ana Rainho para explicar o sucesso dos ginastas do Clube Náutico de Abrantes que treinam em aparelhos improvisados porque não há verba para comprar tudo o que faz falta. Basta reparar no cogumelo, aparelho de treino que custa cerca de 900 euros, feito com as medidas certas a partir de bobines e almofadas de sofá.
Os solos treinam-se em dois rolos de colchões em vez de ser num praticável de ginástica que completo tem o custo de 30 mil euros e as paralelas assimétricas - aparelho feminino - treinam-se nas barras paralelas dos rapazes. Estes, por sua vez, não têm argolas para treinar, mas alguns são campeões distritais no aparelho. Como é possível? A resposta é consensual entre todos: Quando se quer muito evoluir não há barreiras que não possam ser ultrapassadas. No CNA todos se adaptam nos treinos e quando chegam as provas tudo se torna mais fácil.