SamoraJogar é um projecto que une gerações e ensina a brincar
O projecto SamoraJogar vai levar uma nova forma de brincar e de desenvolver capacidades de raciocínio a alunos do Agrupamento de Escolas de Samora Correia. Movido por entusiastas de jogos de tabuleiro foi acolhido pela Associação de Jovens de Samora Correia e tem conquistado miúdos e graúdos. É inclusivo e responsável pela primeira ludoteca de jogos de tabuleiro da região.
Iris Sousa escolhe um jogo de tabuleiro entre as mais de 130 caixas coloridas empilhadas em prateleiras. No jardim do Palácio do Infantado, em Samora Correia, a irmã, Eva, de 9 anos, e outros quatro jogadores - todos adultos - esperam-na sentados à volta da mesa. A menina de 11 anos lê as instruções. Não há dados nem se movem peças entre casinhas. Os jogos de tabuleiro são hoje mais atractivos visualmente, dinâmicos, cooperativos e desafiantes.
As irmãs aprenderam a divertir-se com jogos de tabuleiro em ambiente familiar durante a pandemia. Os tablets foram ficando de lado, a internet visitada menos vezes e a brincar foram crescendo os momentos em família. O que os Sousa nunca pensaram foi que este gosto apurado pelo confinamento se tornasse num serviço para a comunidade e despertasse em Samora Correia uma forma de entretenimento que estava esquecida.
O projecto, que dá pelo nome de SamoraJogar, está a ser um sucesso entre miúdos e graúdos. Já sentou à mesa e conquistou mais de centena e meia de pessoas de todas as idades esbatendo o preconceito de que “os jogos são só para crianças”, começa por dizer a O MIRANTE, Carlos Sousa, co-fundador do projecto, explicando que há um mundo de jogos que vai muito além do Uno e do Monopólio.
O Catan, o Carcassonne, exemplifica, são jogos que atraem e põem à prova sobretudo adultos. Estes e muitos outros estão disponíveis na ludoteca SamoraJogar que é inaugurada sábado, 4 de Setembro, no Palácio do Infantado, onde vai passar a funcionar em permanência aos sábados das 10h00 às 13h00 e das 15h00 às 19h00.
Associação de jovens acolheu o projecto
O projecto podia ter sido um fiasco num mundo cada vez mais voltado para o digital? “Podia, mas o Carlos arriscou, nós arriscamos com ele e a verdade é que vamos abrir a primeira ludoteca do concelho”, responde sem hesitação o presidente da Associação de Jovens de Samora Correia, Luís Marta, explicando que o SamoraJogar foi acolhido e tornou-se no mais recente departamento da associação, que “procurava um projecto dinamizador” e intergeracional.
O jogo, continua Carlos Sousa, traz inúmeras vantagens, desde logo a igualdade entre jogadores, a melhoria da capacidade de raciocínio, incita a tomar decisões, ajuda a aproximar famílias, gerações e amigos, a aceitar regras e a aprender a lidar com frustrações quando se perde. “Numa mesa de jogo a surpresa acontece. Quem ganha ou coopera melhor podem ser aqueles que no dia-a-dia têm mais dificuldade de aprendizagem ou de relacionamento”, sublinha.
Jogos de tabuleiro nas escolas
A co-fundadora do projecto e técnica de acção educativa, Sónia Sousa, é a impulsionadora de uma vertente muito especial deste projecto que vai arrancar com o ano lectivo de 2021/2022. Depois de ter introduzido o jogo de tabuleiro nas Actividades de Enriquecimento Curricular do primeiro ciclo, em jeito de experiência, o SamoraJogar vai mesmo integrar o plano destas actividades nas turmas de terceiro ano do Agrupamento de Escolas de Samora Correia.
“Estas crianças nunca tinham contactado com este tipo de jogos que fogem ao convencional que se encontra no hipermercado e aos jogos ditos pedagógicos que estão nas bibliotecas escolares”, diz, acrescentando que despertaram instantaneamente uma “curiosidade enorme” e uma nova forma de brincar. Nova porque “deixaram de se oferecer jogos de tabuleiros às crianças”, que criam um apego desde muito cedo ao mundo digital, “sem que lhes sejam apresentadas alternativas”.
Além do interesse, Sónia Sousa notou mudanças de comportamento nas crianças. As mais irrequietas ficaram calmas, atentas às regras do jogo, as que apresentaram dificuldades de aprendizagem jogaram sem ser preciso explicar duas vezes, e todas, “sem se aperceberem, começaram a cooperar e a definir estratégias de pensamento” para vencer o jogo.
Um jogo para a inclusão
Luís Marta viu o mundo a 10 por cento até aos 17 anos quando, depois de uma operação à córnea para tentar travar o glaucoma congénito, ficou com cegueira total. É massoterapeuta, auxiliar de fisioterapia, DJ e presidente da AJSC. Se alguma vez jogou jogos de tabuleiro? Monopólio, com a ajuda de alguém. Mas a partir de agora vai poder jogar sozinho. O SamoraJogar protocolou com uma empresa do sector a aquisição de jogos inclusivos, destinados a pessoas cegas e, em simultâneo, a normovisuais. “Vai ser muito bom podermos dar possibilidade de jogar com autonomia a pessoas que, tal como eu, nunca tiveram acesso a esse tipo de jogos”, diz Luís Marta, de 29 anos.