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As medalhas olímpicas e o falhanço da educação em Portugal (I)
José Eduardo Carvalho

As medalhas olímpicas e o falhanço da educação em Portugal (I)

Analisando os resultados dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Tóquio é indiscutível que a performance desportiva foi brilhante e que houve uma notória evolução no desporto em Portugal. A questão é que outros países melhoraram mais que nós, mantendo-se ou agravando-se por isso a distância que nos separava deles.

Ultrapassada a onda de orgulho patriótico pelo feito dos nossos atletas nos Jogos Olímpicos de Tóquio, talvez seja oportuno, de forma ponderada e sem emoção, analisar o que significa as quatro medalhas obtidas.

Ficamos a saber, com muito agrado, que o governo contratualizou os apoios financeiros ao programa olímpico com base em objetivos quantitativos. É de aplaudir tal decisão. Afetar dinheiro público como contrapartida a resultados obtidos é uma prática saudável. Os objetivos acordados eram os seguintes: 2 medalhas olímpicas; 12 classificações até ao 8º lugar; 26 classificações entre os 16 primeiros. Todos foram superados: 4 medalhas olímpicas; 15 e 36 classificações entre os 8 e os 16 primeiros, respetivamente.

Há quem defenda que estes resultados estão relacionados com o aumento de atletas federados e de alto rendimento que cresceram 20% nos últimos 5 anos. E há também quem veja neles o espelho de uma melhor articulação entre governo, federações e clubes. Não duvido que tudo isto deva ter contribuído para tal. Mas vejamos a outra face da realidade do desporto, em Portugal e o falhanço da sua relação com o Ministério da Educação.

As quatro medalhas obtidas em Tóquio não devem ser comparadas com os países da União Europeia que obtiveram menos que Portugal, a saber: Letónia (2); Lituânia (1); Estónia (2); Finlândia (2); Chipre (-); Malta (-); Luxemburgo (-); ou no resto da Europa: Kosovo (2); Arménia (2); São Marino (2); Macedónia (1); Moldávia (1). Todos os restantes obtiveram mais. Comparamos, por isso, muito mal com os países europeus que têm o mesmo perfil demográfico, social e, nalguns casos, económicos. É o caso da Holanda (36 medalhas); Hungria (20); República Checa (11); Noruega (8); Suécia (9); Suíça (13); Dinamarca (11); Croácia (8); Sérvia (9); Bélgica (7). Exclui a referência a Alemanha, Reino Unido, Itália e França dada a correlação existente entre a dimensão do país e número de praticantes desportivos. Quanto maior é a base de recrutamento do talento desportivo, maior é a probabilidade de sucesso nos resultados desportivos.

Conclusão: é indiscutível que a performance desportiva dos nossos atletas foi brilhante e que houve uma notória evolução no desporto em Portugal. A questão é que outros países melhoraram mais que nós, mantendo-se ou agravando-se por isso a distância que nos separava.

Vamos tentar especular sobre as razões de tal facto.

As medalhas olímpicas constituem um indicador de cultura desportiva de um povo, da prática desportiva da população; dos recursos que se colocam ao dispor dos agentes desportivos; da prioridade que os governos dão à formação desportiva; do papel do desporto no sistema formal de ensino; e do talento, qualidade técnica e dedicação dos atletas. Em todos estes indicadores estamos afastados dos países com os quais devíamos concorrer.

A taxa de sedentarização da população portuguesa (74%) é a segunda mais elevada da Europa. Só a Croácia apresenta pior índice. Somente 26% da população efetua exercício físico pelo menos uma vez por semana. Há uma correlação positiva entre prática desportiva e resultados olímpicos. Veja-se o caso da Holanda: 80% de atividade desportiva e 36 medalhas.

Os efeitos desta elevadíssima taxa de inatividade refletem-se nas despesas de saúde, estimando-se em 1,3 mil milhões de euros a despesa acrescida por este facto. Portugal é o país da Europa com maior consumo de ansiolíticos e antidepressivos (o dobro do 2º que é Espanha; 3 vezes mais do que a Suécia) e com maior risco de burnout. Alguém acha possível que um país que tem uma população que não pratica nem gosta de exercício físico, e em que metade anda dopada, possa aspirar a medalhas olímpicas?

Em 2017, nas provas de aferição, concluiu-se que 40% das crianças não conseguiram dar uma cambalhota e 46% não foram capazes de dar 6 saltos consecutivos à corda.

Não será esta triste realidade que nos leva a sobrevalorizar a dimensão e a importância dos escassos resultados obtidos?

Relativamente ao investimento público no desporto também é notório o nosso desfasamento da Europa. Afetamos 68,7€/habitante, enquanto a média europeia é o dobro – 119,4€/habitante. E a correlação também é positiva entre o investimento no desporto e resultados. Veja-se o caso da Suécia (4 vezes mais); Holanda e Dinamarca (3 vezes mais); Hungria e Áustria (2,5 vezes mais). Só a Finlândia que investe 248€/habitante enviesa esta correlação face ao medíocre desempenho que teve nos Jogos Olímpicos (2 medalhas).

Não se pode esperar milagres desportivos quando não se considera a atividade física como prioritária na sociedade portuguesa (continua).

José Eduardo Carvalho
Empresário, Presidente da AIP
Pai de duas filhas atletas federadas.

As medalhas olímpicas e o falhanço da educação em Portugal (I)

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