Falta de médicos valoriza importância dos farmacêuticos
Raquel Roma e Carla Rocha são duas farmacêuticas que privilegiam o contacto próximo com os seus clientes. Estão em extremos opostos nas suas carreiras profissionais. Raquel Roma, 24 anos, vai assumir funções como directora técnica na farmácia Bonfim, em Ulme. Carla Rocha, 48 anos, é proprietária de duas farmácias em Samora Correia. Uma reportagem de O MIRANTE a propósito do Dia Mundial do Farmacêutico.
Raquel Roma, natural de Genebra, Suíça, mas a viver na Chamusca desde pequena, considera que ser farmacêutica também é uma arte sobretudo quem presta serviços comunitários. Saber escutar e valorizar as necessidades dos clientes, personalizando o atendimento, é uma das características mais importantes da profissão, afirma. “Este é o lado mais romântico da farmácia, mas é mais do que isso; contribui para a literacia em saúde e o uso racional do medicamento, assegurando, continuamente, a sua eficácia e segurança”, sublinha.
A farmacêutica graduou-se na Universidade de Coimbra e revela que desde sempre quis trabalhar na área da saúde. A área de Ciências Farmacêuticas fascinou-a porque o medicamento pode influenciar positivamente a qualidade de vida. Na família tem uma prima farmacêutica e uma médica que também ajudaram à sua decisão. O facto de nas localidades mais isoladas a farmácia ser a única estrutura que presta cuidados de saúde obriga a mais responsabilidades, mas não dá o direito de substituir o papel do médico. “Temos o dever de ajudar mas apenas naquilo a que as nossas valências nos permitem, perante transtornos de saúde menores, encaminhando os doentes para o médico sempre que necessário”, refere.
Raquel Roma não se recorda de alguma vez se ter enganado a receitar medicamentos. O recurso a um sistema informático com tecnologia de ponta é uma grande ajuda, no entanto tem consciência que é possível errar. Uma das suas maiores satisfações no trabalho é a relação de proximidade que mantém com os clientes e que permite estabelecer mais confiança que facilita a receita da medicação. Frequentemente os clientes vão agradecer-lhe pela ajuda e por terem ficado “curados”. “São essas situações que me fazem sentir realizada a nível pessoal e profissional. A oportunidade de termos um impacto positivo e significativo na vida das pessoas é o que torna esta profissão tão gratificante”, vinca.
Nos primeiros meses de pandemia Raquel Roma sentiu muito receio principalmente por parte dos idosos. O açambarcamento de medicação foi uma realidade difícil de lidar. “As pessoas julgavam que os medicamentos, máscaras e álcool gel iam esgotar e, em algumas farmácias, é verdade que esgotaram. O nosso trabalho passou, diariamente, por transmitir às pessoas que tal não ia acontecer e que podiam comprar apenas o estritamente necessário”, conta.
AS PALAVRAS DE CONFORTO TAMBÉM PODEM SALVAR VIDAS
Carla Rocha, 48 anos, é proprietária de duas farmácias, a Central e a Rocha, as duas em Samora Correia. Na sua opinião ser farmacêutica é uma vocação e sentiu a paixão por volta dos 12 anos quando nas férias da escola acompanhava o seu pai e o ajudava na farmácia onde trabalhava. Carla Rocha recorda que nessa altura não existiam computadores, o que dificultava o receituário mas promovia muito mais a interacção com as pessoas.
Aos 15 anos os pais, João e Ana Rocha, perguntaram-lhe se queria ser farmacêutica e compraram a sua própria farmácia onde começou a trabalhar sempre que não estava a estudar. Contas feitas, vive para a farmácia há mais de três décadas. A sua irmã, Maria João Rocha, também está ligada à área da saúde, com a gestão da Residência Rocha – Centro Geriátrico de Repouso e Reabilitação, no Porto Alto.
Ser farmacêutica é uma arte que desenvolve com muita motivação e empenho, diz; a farmácia é um lugar de confiança, de proximidade e de conforto, e muitas vezes assume o papel de primeira conselheira e confidente quando algum dos seus clientes não está bem. “Sinto que cada vez mais tenho um papel essencial na ajuda ao utente, uma vez que há falta de consultas e muitas vezes o médico não dispõe do tempo necessário para ouvir o utente. Para muitos clientes as palavras de conforto, um carinho ou um sorriso valem mais que um medicamento”, sublinha.
Carla Rocha diz que nunca se enganou a receitar medicação e que já aplicou algumas vezes o suporte básico de vida quando teve clientes a desmaiarem na farmácia. Salvar vidas, acrescenta, também é conversar com as pessoas e tentar compreendê-las. “Acompanho uma idosa que vive sozinha e que tem uma doença oncológica. Liga-me para lhe levar medicamentos, pede-me para aplicar produtos no corpo e muitas vezes liga-me para dizer como se sente. É muito reconfortante ajudar e receber como recompensa um bolinho, uma flor ou até com um pano que bordaram à mão e estava guardado no baú”, conta, com um sorriso no rosto.
A farmacêutica considera que o negócio das farmácias já foi muito mais rentável. A maior parte das que têm porta aberta em localidades do interior estão a fechar porque a população está a fugir para os centros urbanos. Os seus clientes, refere, compram cada vez mais antidepressivos e ansiolíticos sobretudo desde que existe pandemia. “As pessoas vivem com mais stress no dia-a-dia. Um dos meus trabalhos é aconselhar medicação à base de produtos naturais para tentar amenizar a situação”, adianta.