uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Quando são os filhos a cuidar dos pais
Piedade Roque é a cuidadora informal dos seus pais que sofrem ambos de demência

Quando são os filhos a cuidar dos pais

Piedade Roque é a cuidadora informal dos seus pais que sofrem de demência.

O Dia Mundial da Doença de Alzheimer assinala-se a 21 de Setembro. O MIRANTE conversou com Piedade Roque que cuida de ambos os pais, que sofrem de demência. Assistir à situação de fragilidade física e emocional dos pais é duro mas garante que, enquanto puder, não os vai colocar num lar porque sabe que essa não é a vontade de ambos.

Maria Vitória, 89 anos, e Joaquim Ferreira, 90 anos, vivem numa casa contígua à moradia da filha, Piedade Roque, separados apenas por um quintal. O casal sofre de demência, ele num estado mais avançado. Cada um ocupa um dos dois quartos da casa. Joaquim Ferreira está deitado numa cama articulada enquanto Maria Vitória está numa cama normal, pois ainda possui alguma mobilidade e levanta-se para comer ou para que a ajudem na sua higiene.

Piedade Roque tem 62 anos, é a única filha do casal, que vive na Fajarda, concelho de Coruche, e é a cuidadora dos pais. Trabalhou durante vários anos como escriturária em Coruche mas há alguns anos deixou o emprego para se dedicar a cuidar dos pais. “Ser cuidadora é uma missão para mim porque desde cedo a vida me foi ensinando a cuidar, talvez por isso esteja preparada para ajudar os meus pais em tudo”, explica a O MIRANTE.

Piedade Roque começou por cuidar dos avós, em especial da sua avó materna, com quem tinha uma grande cumplicidade e que lhe morreu nos braços, aos 97 anos. Depois cuidou do sogro que esteve acamado cerca de três anos após ter-lhe sido diagnosticado um cancro. Nessa altura, aos 40 anos, Piedade teve a sua terceira filha e cuidava da menina e do sogro. Mais tarde cuidou da sogra que veio viver para sua casa quando ficou cega. Entretanto nasceu o seu primeiro neto, há 13 anos, e Piedade também ajudou a cuidar dele.

Decidiu parar de trabalhar porque tinha muita gente a seu cargo e não conseguia conciliar tudo. Mas como não é mulher para ficar parada, aos 50 anos decidiu tirar uma licenciatura em Educação. Nunca exerceu mas diz ter sido muito importante para alargar horizontes e somar conhecimentos.

Um dia de cada vez

Admite ser muito duro assistir à perda de capacidades físicas e mentais dos seus pais. Joaquim Ferreira reconhece a filha mas pouco mais e por vezes confunde-a com a esposa. Maria Vitória tem muitas memórias antigas, sobretudo com pessoas que já não são vivas e pensa que aquele é o momento presente.

Ambos perdem noção do tempo com facilidade. Piedade e o marido, José Roque, que é o seu braço-direito e grande apoio, começaram a perceber que algo não estava bem com Joaquim Ferreira quando este começou a acordar de madrugada para fazer café e querer ir às compras. Tanto ele como a esposa começaram a comprar comida em doses exageradas e que não eram necessárias. “Foi nessa altura que percebemos que algo não estava bem. Foram ao médico que lhes diagnosticou demência, no meu pai num estado mais avançado”, recorda.

Piedade Roque diz que o seu lema é viver um dia de cada vez. Na mesa de cabeceira de cada quarto tem uma câmara, como a dos bebés, para perceber se está tudo calmo. “São duas crianças e eu sou a mãe a cuidar dos meus pais. Emocionalmente é muito duro, porque os meus pais sempre foram pessoas independentes e muito ágeis, andavam sempre juntos e vê-los deitados numa cama não é fácil”, conta com a voz embargada.

Apoio emocional é fundamental para o cuidador informal

Num momento de desespero Piedade Roque pediu ajuda ao gabinete técnico da Câmara de Coruche, que tem uma parceria com a Alzheimer Portugal, de apoio a pessoas com demências. O apoio foi muito importante porque, às vezes, só desabafar ajuda a ver o problema de outra maneira. Todos os dias uma equipa do Centro de Dia vai a casa, de manhã, tratar da higiene do casal. Por enquanto não é opção irem para um lar. “Os meus pais sempre manifestaram que nunca queriam ir para um lar e enquanto puder vou fazer-lhes a vontade”, garante.

Piedade Roque tem noção que só estando bem consegue ajudar os outros. Mas nem sempre é fácil. “As solicitações são tantas que nem sempre conseguimos ter tempo para nós mas faço um esforço para que isso aconteça”, diz.

A antiga escriturária concorda com a lei, aprovada este ano no Parlamento, e promulgada pelo Presidente da República, que aprova o Estatuto do Cuidador Informal. “Infelizmente, ainda não se dá o devido valor aos cuidadores informais. Se as instituições recebem determinado valor por cada doente, nós estamos a substituir-nos ao Estado, mesmo que seja por nossa vontade, estamos a prestar um serviço. Por isso concordo que seja reconhecido esse estatuto”, conclui.

Quando são os filhos a cuidar dos pais

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido