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Do Porto Alto para a Europa ao ritmo das danças latinas
Catarina Cera e Francisco Pedrosa são dançarinos da Associação Recreativa do Porto Alto e vão competir pela primeira vez, como par, pela Selecção Nacional de Dança Desportiva

Do Porto Alto para a Europa ao ritmo das danças latinas

Catarina Cera e Francisco Pedrosa formam um casal de jovens dançarinos que quer chegar ao topo. Dançam pela Associação Recreativa do Porto Alto e pela selecção nacional vão disputar os campeonatos da Europa e do Mundo de dança desportiva. Defendem que a dança pode ser vista como plano A e que se deve despir de preconceitos.

A música começa a tocar. Francisco Pedrosa vai em direcção a Catarina Cera e agarra-a subtilmente pela mão. O tecido brilhante do vestido da dançarina acompanha os movimentos dos passos de rumba, no salão nobre da Associação Recreativa do Porto Alto (AREPA), que todas as semanas serve de pista. Ambos têm 21 anos e descobriram a dança há mais de uma década, em separado: ele na Academia de Dança do Entroncamento; ela na escola de dança da AREPA. Há dois anos o casal de namorados decidiu formar par na dança e desde então têm somado distinções atrás de distinções. O sonho, que é para ser vivido a dois, é conseguir chegar aos 50 melhores pares do mundo nas danças de salão.

Numa conversa que decorreu depois de ficarem em segundo no campeonato nacional e saberem que foram convocados para representar Portugal no Campeonato de Dança Desportiva da Europa e do Mundo, que decorrem, respectivamente em Outubro e Dezembro deste ano, falam dos passos que querem dar e da paixão que os uniu. “Dançar é um sentimento inexplicável, que mistura adrenalina com uma alegria enorme. É a nossa vida”, diz Francisco Pedrosa, natural de Vila Nova da Barquinha. Catarina Cera completa: “Dançar é sentir liberdade enquanto esquecemos tudo o que se passa à nossa volta”.

Aos oito anos Francisco Pedrosa deixou-se deslumbrar pelo mundo da dança enquanto assistia a uma exibição acompanhado pelo pai. Na altura jogava futebol, praticava natação e pertencia a um grupo de escuteiros. Contra a vontade da mãe, que “achava que já tinha demasiadas actividades” extra escola, Francisco inscreveu-se na Academia de Dança do Entroncamento. “Durante cinco meses a minha vida foi uma correria, até que desisti de tudo e fiquei só com a dança”, diz, explicando que hoje sente a dança de maneira diferente. “Sei que é isto que quero fazer até ao resto da minha vida”, diz com segurança.

Para Catarina Cera a aventura começou aos cinco anos depois de assistir a um campeonato de dança. Disseram-lhe que era muito nova, mas não desistiu até encontrar espaço na pista da AREPA. Competiu com o primeiro par aos nove anos e o normal era sair de pista “quase sempre a chorar”. Competitiva em tudo o que faz queria vencer no desporto que é uma arte que se constrói a dois.

“Há homossexuais na dança como há no futebol”

Grande parte dos pares dança dois ou três anos até à separação. E os motivos, explica a seccionista de danças de salão da AREPA, Fátima Ribeiro, são vários: porque têm objectivos diferentes, vão estudar para fora, não se entendem ou porque na relação amorosa o companheiro ou companheira não aceita. “Por esse motivo é que geralmente os pares que se aguentam são casais”, acrescenta a responsável, que também é mãe da dançarina.

Treinar e ser cada vez melhor sempre foi o objectivo de Catarina Cera mesmo quando lhe faltou o par. Durante um ano dançou sozinha, longe das pistas mas sempre com o foco em voltar. “Ainda há poucos homens na dança e acredito que seja porque ainda existe um estereótipo. Continua-se a comentar os gestos afeminados de um dançarino, por exemplo”, diz.

O tema não deixa Francisco Pedrosa indiferente. Embora considere que um homem que pratica dança desportiva, seja latina ou clássica, ainda carrega o rótulo da homosexualidade, diz que o pensamento está a mudar. “Na escola primária chamavam-me nomes atrás de nomes, mas hoje essas pessoas estão na primeira fila a apoiar-me”, conta salientando que “há homossexuais na dança como há no futebol e não há mal nenhum nisso”.

“Há qualidade na dança em Portugal”

Para os dançarinos da AREPA, apesar de Portugal ser um país pequeno tem muito bons pares de dança, alguns que integram a lista dos 25 melhores do mundo. O que falta, dizem, são os incentivos, reconhecimento e patrocínios. “Tive que desistir das danças clássicas e ficar só nas latinas porque manter as duas era impossível. Mesmo competindo lá fora sai quase tudo da nossa conta, ou melhor, dos nossos pais”, confessa o jovem acrescentando que fazem parte da selecção nacional [ele há vários anos] e muito poucos ouviram falar dos seus nomes.

Durante a conversa com O MIRANTE recebem a notícia que a AREPA lhes vai pagar as viagens para o campeonato da Europa, que se vai disputar em Itália. Os fatos que vão usar serão pagos pelos seus pais.

“Portugal é muito imaturo na dança e o problema é cultural. As pessoas não olham para a dança como olham para o futebol e é ingrato para nós que somos desportistas e nunca vamos ter igualdade na visibilidade”, refere Catarina. A mãe e seccionista da escola remata: “Falta olhar para a dança como ela realmente é: um desporto de alta competição”.

Unidos na dança, no amor e na enfermagem

Além da dança e do amor Francisco e Catarina partilham ainda a sala de aula. Frequentam a licenciatura em enfermagem, em Santarém, e dividem o seu tempo entre as aulas, o estágio, competições e treinos que acontecem três vezes por semana. Pouco tempo lhes sobra. Perdem saídas à noite com os amigos, jantares e eventos familiares. “Tenho familiares que nem conheço”, confessa o dançarino, vincando que para se chegar ao topo é preciso fazer sacrifícios. “Ter uma vida bem planeada é fundamental”, acrescenta o seu par.  

O futuro ainda é incerto, mas ambos acreditam que é possível viver da dança em Portugal. “Se é um plano A ou plano B não sei, mas sei que quero a dança, isso sei que quero”, destaca Francisco que tem o objectivo de tirar os cursos de professor de dança e júri de prova.

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