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Armindo Pinhão: um dos mais novos autarcas dos anos 80 que nunca mais quis voltar à política
Armindo Pinhão foi eleito presidente da Câmara de Alpiarça aos 29 anos pela CDU

Armindo Pinhão: um dos mais novos autarcas dos anos 80 que nunca mais quis voltar à política

Armindo Pinhão foi eleito presidente da Câmara de Alpiarça com 29 anos e quando saiu desligou o interruptor da política para sempre.

Estava predestinado pelo PCP a ser presidente da Câmara de Alpiarça apesar de não ter uma militância activa. Discreto, pouco falador, com uma vida pacata, Armindo Pinhão foi ao colo do partido para assessor do presidente da câmara em 1982 porque os dirigentes comunistas queriam que aprendesse a gestão camarária. Um ano depois, com 29 anos, ganhou as eleições. Muitos dos autarcas da região tinham idade para serem seus pais. Fez três mandatos porque não queria fazer mais e foi para a sombra da Região de Turismo do Ribatejo, onde, até ir para a pré-reforma, não quis brilhar para não tirar palco ao presidente, que era do PS. No turismo foi o criador da Rota do Vinho e da Vinha, talvez cedo demais, porque agora é que o enoturismo está na moda quando a rota morreu. Foi o criador de uma cooperativa agrícola de génese municipal, que continua em actividade e é um caso extraordinário no país. Armindo Pinhão é a antítese de muitos dos políticos actuais, por voltar ao seu canto e resistir à tentação de exercer influência política ao ponto de nem ser visto em iniciativas públicas. Aos 68 anos, Armindo Pinhão, que jogou futebol nos Águias de Alpiarça e no União de Almeirim, que entrou em duas peças de teatro, mais para compor o elenco do que para representar, continua a viver a vida de forma pragmática e tem-se entretido com o projecto vitivinícola da filha.

Estamos no parque do Carril. Quando era presidente de câmara imaginava que este espaço se tornasse numa zona de lazer?

Nos anos 40 do século passado as mulheres de Alpiarça vinham aqui lavar a roupa porque não havia água canalizada, mas também não havia poluição. Com o desenvolvimento industrial a vala real passou a ter problemas. Temos um problema na vala que são as infestantes, sobretudo a erva pinheirinha. Nos últimos tempos tem-se feito investimentos na arborização do parque, que está muito agradável.

Quando entrou para presidente de câmara as preocupações eram outras…

Em 1983 as preocupações eram o abastecimento de água, o saneamento básico, a electrificação. Não havia fundos comunitários e vivia-se uma grande crise no sector da construção civil, em que muitos trabalhadores foram absorvidos pelas câmaras. Para rentabilizar esse pessoal a Câmara de Alpiarça teve que fazer muitas obras por administração directa.

Até 1985, quando surgiram os fundos comunitários, como é que foi gerida a câmara?

Estivemos dois anos a balançar. As câmaras não podiam fazer letras bancárias, mas havia as declarações de dívida. As letras obrigavam ao pagamento de juros. As declarações de dívida eram aceites pelas empresas que iam fazendo os trabalhos sem receberem, mas o Tribunal de Contas dizia que não se podia pagar-lhes juros de mora. As empresas estavam a fazer-nos um favor e entendi pagar sempre juros, por uma questão de justiça, apesar de correr o risco de ter problemas com o tribunal.

As obras por administração directa foram sendo cada vez menos e tem-se optado por entregá-las a privados. Seria benéfico que as câmaras voltassem a ter meios para fazer os trabalhos?

A câmara ao assumir as obras pode ter algumas vantagens ao nível dos custos e também pode mais facilmente controlar o ritmo dos trabalhos. Hoje há empresas especializadas em várias áreas que garantem obras com elevada qualidade, mas em alguns trabalhos seria vantajoso ser a câmara a fazê-los.

Por administração directa têm a vantagem de fazer com que as obras coincidam com a altura das eleições.

Nunca procurei isso. Naquela época faltava tudo e era preciso dotar o município de condições. Não havia uma preocupação eleitoral. A única obra que coincidiu com a altura de eleições foi a do quartel dos bombeiros. Um projecto, feito por administração directa, único a nível distrital, porque exigiu um trabalho de interacção e de negociação para conseguirmos instalar no mesmo edifício os bombeiros e a sociedade filarmónica. Ambas as instituições estavam instaladas em espaços degradados.

Um militante disciplinado mas que nunca gostou das amarras partidárias

Como é que foi parar ao PCP?

Antes do 25 de Abril participava em actividades culturais no Águias e no grupo de teatro e fui contactado para aderir ao partido. Nunca tive uma actividade muito activa antes do 25 de Abril porque tinha ido estudar para Lisboa. Distribuía uns papéis ou participava em algumas acções pontuais. Curiosamente na capital fui contactado pela Zita Seabra para pertencer à União dos Estudantes Comunistas.

Foi muito cedo para a política, não foi nem gestor de empresas nem seguiu a carreira de professor.

Comecei a trabalhar no meu segundo ano do curso de gestão de empresas no ISCTE. Havia uns lugares para professores e com um colega de Alpiarça, que estava na mesma casa e no mesmo curso, concorremos. Começámos a trabalhar na escola do Bom Retiro, em Vila Franca de Xira, no dia 29 de Janeiro de 1974. Dava Contabilidade e Matemática e fiquei responsável também pelo refeitório. Acabei o curso em 1978 e dei aulas no Cartaxo e em Santarém. Fiz o estágio em Abrantes e fiquei efectivo em Torres Novas. No ano a seguir era para entrar na Ginestal Machado, em Santarém, mas nem comecei porque fui chamado para ser assessor do presidente da câmara, Joaquim Matias.

O partido já estava a prepará-lo para ser presidente…

Coisa que, penso, agora não se faz… A maior parte dos presidentes de câmara eram pessoas já com alguma idade. Tinham idade para serem meus pais. Fui dos presidentes mais novos do país na altura, tinha 29 anos. Ainda apanhei os mandatos de três anos, o primeiro, depois fiz dois de quatro anos.

Não quis continuar ou não deixaram?

No início disse logo que só fazia três mandatos prevendo que me iam pressionar em cima da hora para continuar. Três mandatos chegam para fazer coisas, se quiserem e puderem. Já tinha alguma ligação com a então Região de Turismo do Ribatejo, como representante da CDU (PCP e Os Verdes) e fui para lá. Era o mais consensual no espectro do PS, que tinha a maioria das câmaras, e da CDU, para estar na região de turismo.

Foi empurrado pelo partido?

Fui empurrado. E o presidente da Região de Turismo, Carlos Abreu, dizia que preferia trabalhar comigo.

Tinha preocupações com a imagem?

O meu problema não era a imagem, mas os problemas do dia-a-dia. Por exemplo, um buraco numa rua que era reportado numa reunião de trabalho e depois na reunião seguinte o buraco ainda não estava tapado. Estas pequenas coisas acumuladas desgastam mais os políticos do que alguns dos grandes problemas.

Quando saiu já se sentia desgastado?

Sentia-me cansado de algumas coisas como a estrutura organizativa da câmara, as relações entre encarregados e trabalhadores, em que muitas vezes tinha de ser o árbitro. Num meio em que toda a gente se conhece é mais difícil tomar decisões porque é sempre incompreendido. Lido mal com estas coisas, sou mais de consensos. Tenho amigos de todas as áreas políticas.

A Rota do Vinho e da Vinha da qual nunca tirou partido e a decadência do projecto

Passou uma vida na Região de Turismo com um papel secundário, de pouca visibilidade. Afinal o que é que fez de importante neste organismo?

Tenho um projecto que nunca assumi como meu, que muita gente dizia que não tinha pernas para andar e agora está na moda. É a Rota do Vinho e da Vinha do Ribatejo. A candidatura a fundos comunitários foi feita por mim. Foi uma grande luta, por exemplo para instalar a sinalética porque a Junta Autónoma de Estradas na altura dizia que era um apelo ao consumo do álcool.

Muitos dos aderentes nunca se envolveram muito na questão turística da rota e só pensaram nos apoios para recuperarem o seu património. Isso não o deixou triste?

É muito difícil mudar mentalidades e era um salto muito grande para as pessoas mudarem do sector primário para o terciário, para serem prestadores de serviços. Mas só o facto de terem recuperado as adegas, que estavam a cair, já foi muito bom. O subsídio era igual para todos, cinco mil contos (cerca de 25 mil euros) e houve quem fizesse investimentos de 20 mil contos (cerca de 100 mil euros). Sinto orgulho que agora, passados 20 anos, o enoturismo está na moda.

Ao longo do tempo a rota foi morrendo. Acredita que ainda é possível recuperar o projecto?

Acho que estão a trabalhar nisso. Ainda recentemente duas adegas avançaram com um projecto de enoturismo. O grande problema na altura era os donos das adegas não se disponibilizarem para estarem abertos aos sábados e domingos porque podia apenas aparecer um turista. Hoje é que muita gente gosta de visitar adegas.

O Armindo Pinhão era uma espécie de almofada do presidente Carlos Abreu nunca o tendo criticado e deixando sempre que fosse ele a brilhar. Era consideração ou uma forma de não colocar o seu cargo em risco?

Ele nunca me fez favor algum. Era uma questão de procedimento. Ele era o presidente e ele é que distribuía as tarefas. Por exemplo, enquanto lá estive nunca tive um telemóvel de serviço, usava sempre o meu pessoal. Ele nunca me deu um telemóvel da Região de Turismo e eu nunca lhe pedi.

Como é que viu as mudanças na organização do turismo, primeiro com a criação da Entidade Regional de Lisboa e Vale do Tejo e depois com a junção da Lezíria ao Alentejo.

Isso aconteceu porque há um problema por resolver em Portugal, que é a regionalização. Se houvesse regiões nada disto acontecia. Fizeram as mudanças para continuar tudo na mesma. O turismo tem sido um balão de ensaio. Agora já se fala que a Lezíria vai passar a pertencer ao Oeste, que é o que teria sido lógico quando a região passou para o Alentejo. O Oeste é a zona para onde as pessoas desta região se deslocam e é a nossa porta para o mar.

Deixou a política por causa das pessoas e não gosta das amarras partidárias

Desapareceu completamente da política. Porquê?

Isso foi premeditado. Como não quero ter qualquer função partidária ou política estou melhor assim. Não me sinto com motivação para aparecer em iniciativas políticas.

Ficou chateado com a política?

Estou chateado é com algumas pessoas que apareceram na política. Quando não gostamos das pessoas ou não nos interessa participar, mais vale estarmos sossegados e assim não criamos atritos.

Sente-se mais livre assim?

Sempre gostei de viver a vida como acho que tem de ser vivida. Embora seja disciplinado, nunca fui muito de estar preso à disciplina partidária e sempre gostei de falar ou estar com quem quero, sem que alguém me chame a atenção. Com os meus amigos evito conversas sobre política partidária para evitar situações desagradáveis. Não quero ser influenciador político.

O que tem andado a fazer desde que saiu da Região de Turismo em 2008?

Fui para a pré-reforma. Cheguei a dar formação na área do turismo no ISLA em Santarém e em Leiria. Agora ajudo a minha filha na actividade vinícola. Ela fez uma vinha em 2015 nos terrenos que eram do avô, mas continua a trabalhar no Douro como enóloga. Sou um curioso e ela vai-me dizendo o que tenho de fazer. Este ano fizemos a vindima com máquina e vamos avaliar se vale a pena ou se mantemos a vindima manual. Temos um acordo com a Lagoalva para fazer o vinho e engarrafar cerca de quatro mil garrafas. Queremos contribuir também para que a região vitivinícola do Tejo se afirme mais.

A reforma agrária e a criação de uma cooperativa que tem a câmara como dona

O que é que pensou quando criou uma cooperativa agrícola, a Agroalpiarça, gerida pela câmara?

Na altura os estatutos das cooperativas diziam que em caso de dissolução o património era entregue às câmaras. Já tinha havido o caso de uma cooperativa que tinha fechado, mas o património desapareceu. A cooperativa Unidade e Gouxa começou a entrar em dificuldades e para não acontecer o mesmo avisámos a direcção que a câmara estava interessada em ficar com a cooperativa. Criámos os estatutos para de uma cooperativa de interesse público de responsabilidade limitada, em que a câmara ficou com 99 por cento do capital social e juntou terrenos do legado de José Relvas. É a única cooperativa do sector agrícola do tempo da reforma agrária que ainda persiste.

A reforma agrária teve alguma importância para Alpiarça?

Fez com que deixasse de haver desemprego na agricultura porque as cooperativas absorveram a mão-de-obra existente, com uma grande sobrecarga na estrutura de custos. Houve questões negativas que surgiram muitas vezes por impreparação das pessoas que estão à frente das organizações. Foram cometidos alguns exageros. Mas em Alpiarça não houve grandes problemas. Algumas ocupações deveram-se ao abandono dos terrenos pelos proprietários devido ao contexto político que se vivia. O Mouchão do Inglês, uma propriedade do Estado, foi a primeira a ser ocupada, porque todos os anos o Estado prometia entregar umas parcelas aos trabalhadores rurais para cultivarem, mas nunca cumpriam.

Armindo Pinhão: um dos mais novos autarcas dos anos 80 que nunca mais quis voltar à política

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