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Carlos Salgado: “As localidades ribeirinhas têm de se reinventar”
Carlos Salgado defende o enorme potencial turístico e económico do rio Tejo e afirma que é preciso fazer algo para permitir a sua navegabilidade

Carlos Salgado: “As localidades ribeirinhas têm de se reinventar”

Carlos Salgado, conhecido como “Senhor Tejo”, lançou recentemente um livro com mais de 400 páginas, com muitas fotos, intitulada “Tejo: maior que o pensamento”. O livro retrata uma viagem realizada em 2010 que começou na nascente do Tejo, em Espanha, e terminou em Lisboa. Em entrevista a O MIRANTE afirma que o Tejo é um rio doente. Na conversa aborda temas como a salinização e a falta de navegabilidade que afecta o desenvolvimento das regiões do interior.

A defesa de uma causa tem sempre um ponto de partida e para Carlos Salgado, conhecido como “Senhor Tejo”, começou em Alhandra, de onde é natural, nas décadas de 50 e 60. Juntamente com alguns amigos, navegantes e apaixonados pelo Tejo, começou a aperceber-se que a água do rio estava cada vez mais suja, numa altura em que os efluentes das empresas eram despejados directamente no rio sem tratamento.

Anos mais tarde, depois do 25 de Abril de 1974, Carlos Salgado ajudou a fundar a Associação dos Amigos do Tejo que sempre teve como premissa “observar para avaliar e ponderar para poder opinar ou agir com verdade” em todas as matérias referentes ao rio. Hoje, com 81 anos, é autor de três livros sobre a temática, sendo que o último, “Tejo: maior que o pensamento”, foi lançado em tempo de pandemia e relata a história de uma viagem de barco, em 2010, que realizou desde a sua nascente, na serra de Albarracín, em Espanha, até ao local onde desagua no mar, em Lisboa.

“Este livro procura retratar os mais de mil quilómetros de extensão do Tejo e a envolvência do ambiente natural do rio com a ocupação do Homem. Através do que vi, ouvi, li e senti, pretendo demonstrar a riqueza de um rio que é muito mais do que um curso de água”, sublinha.

A conversa com O MIRANTE realiza-se no passeio ribeirinho da Póvoa de Santa Iria, com vista privilegiada para o Mouchão da Póvoa, uma pequena ilha com mais de mil hectares que vai desaparecendo de dia para dia. A entrevista dura cerca de uma hora e, para além deste e do próximo livro (“Barcos, barqueiros e outros navegantes do Tejo”), fala-se, sobretudo, do tema da falta de navegabilidade e da salinização do rio.

O TEJO ESTÁ DOENTE

Para Carlos Salgado “o rio está a entrar em colapso, está doente”. A única razão para que o mar esteja a tomar conta do rio é a falta de água, diz, e o sal tem consequências drásticas, nomeadamente para as centenas de agricultores que trabalham junto ao estuário do Tejo. “Quando o mar entra rio adentro leva espécies invasoras que destroem tudo o que está à volta”, esclarece.

O também presidente da Tagus Vivan conta que é cada vez mais comum encontrar no rio peixes de água salgada. “Em Valada, Cartaxo, há pescadores que podem testemunhar essa realidade, assim como também dão conta da existência de ameijoas no estuário. Só há uma solução para este problema; é preciso que os espanhóis roubem menos água ao caudal do rio; o Tejo é um ribeiro por causa dos espanhóis”, assegura.

NAVEGABILIDADE PARA GERAR NEGÓCIO

Carlos Salgado não tem dúvidas que o Tejo tem um potencial turístico e económico enorme e que é preciso fazer alguma coisa para garantir a sua navegabilidade. O ambientalista, assim se considera por direito, não compreende como há países europeus a apostarem no transporte fluvial e em Portugal gastam-se centenas de milhões de euros na construção de rodovias que podiam ser substituídas por caminhos marítimos.

“Quem é que consegue navegar em zonas do rio completamente assoreadas como acontece entre Vila Nova da Barquinha e Santarém? O mítico Castelo de Almourol, por exemplo, já deixou de estar numa ilha por falta de água no Tejo”, adianta, acrescentando que com a navegabilidade assegurada surgiriam inúmeras oportunidades para levar riqueza às regiões do interior. “O futuro do país não está no petróleo mas sim no turismo de natureza e fluvial. As terras ribeirinhas têm que se reinventar e investir no rio”, defende.

A intenção de Carlos Salgado, com o lançamento do seu último livro, é alertar o público em geral para as potencialidades do rio e para o desprezo que a sociedade, nomeadamente as forças políticas, têm demonstrado, fechando os olhos e permitindo que se continue a atacar o Tejo e os seus recursos de uma maneira desenfreada. “As pessoas têm de compreender que o rio Tejo é muito mais do que água”, afirma, embora admita que este discurso tem muitos anos e os políticos parecem adormecidos para uma realidade que vai ser ainda mais trágica para as populações.

“A odisseia do mar de Abrantes”

Odisseia “trágico marítima”, é assim que Carlos Salgado avalia tudo o que se tem passado desde que foi construído o açude insuflável de Abrantes. Considera que tudo o que tem sido tornado público é susceptível de dúvidas, nomeadamente em termos da sua construção, da qualidade do equipamento, dos actos de vandalismo e da fiscalização insuficiente.

“O que se tem passado no açude não pode deixar de ser investigado judicialmente para se saber as razões para o colapso deste grande empreendimento, que custou ao Estado 10 milhões de euros só à partida, e, segundo consta, anda a custar mais de 200 mil por ano”, refere.

Carlos Salgado diz ainda que está a ser prevista uma nova reparação, com um custo de mais de 300 mil euros, mas que não deveria ser realizada até se saber os resultados de um estudo, “Projecto Tejo”, que pretende reestabelecer e manter o rio com um caudal superior ao ecológico. “É mais do que recomendável não avançar com mais qualquer obra no açude de Abrantes sob pena de continuar a mandar milhares de euros para o lixo”, sublinha.

Carlos Salgado: “As localidades ribeirinhas têm de se reinventar”

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