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Mulheres sujeitam-se a anos de violência doméstica para não perderem os filhos
Filipa Ribeiro da Cruz é jurista da APAV e escreveu dois livros, o mais recente, intitulado "Chovem Cravos em Paris"

Mulheres sujeitam-se a anos de violência doméstica para não perderem os filhos

Filipa Ribeiro da Cruz é jurista da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e nos tempos livres gosta de escrever. Publicou, em 2021, o seu segundo livro que foi concluído em Paris, onde fez um estágio no consulado português. Aproveitou as memórias da sua família paterna, natural de São Vicente do Paul, e juntou-lhe a vida cosmopolita de Paris. Coloca os seus estados de alma no papel e transforma-os em poesia. Em 2018 viveu uma experiência arrebatadora quando fez voluntariado num campo de refugiados na Grécia.

As mulheres vítimas de violência doméstica ainda se sujeitam a uma vida de abusos para não perderem os filhos. Além da maioria depender financeiramente do companheiro agressor, também receia que os filhos lhes sejam retirados. A opinião é de Filipa Ribeiro da Cruz, jurista da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em Lisboa. A jovem, de 26 anos, natural de Almeirim, foi distinguida em 2019 pela APAV, na categoria Investigação, pela tese de mestrado com o tema “O papel da vítima no processo penal português”,

“Ainda existe o estigma em que a vítima pensa que se abandonar o lar e fugir do companheiro agressor ele fará qualquer coisa para lhe retirar ou afastar dos filhos. Esse é um dos principais motivos para as mulheres aceitarem anos de violência doméstica. Há cada vez mais vítimas informadas dos direitos que têm mas tem que haver um empoderamento da mulher para perder o medo e denunciar sempre que há agressões”, afirma a jurista.

Outro dos problemas que leva a que existam mais episódios de violência doméstica, alguns deles que terminam de forma trágica, é a falta de magistrados do Ministério Público (MP), o que leva à lentidão destes e de outros processos. Segundo Filipa Ribeiro da Cruz, um magistrado do MP tem muitos processos a seu cargo e não consegue resolver os problemas de forma tão célere quanto deveria. “Todos os anos abrem vagas para recrutar mais magistrados mas não são suficientes, a escassez destes profissionais é grande. Se existissem mais magistrados talvez se pudessem evitar alguns crimes”, considera.

Na opinião de Filipa Ribeiro da Cruz, a lentidão da justiça leva a que alguns arguidos não cumpram as medidas de afastamento da vítima a que estão obrigados. A jurista alerta que as vítimas devem denunciar todas as ameaças e agressões de que são alvo. “Se um agressor tem a medida de coacção de não se aproximar da vítima, sempre que ele não cumpra e faça ameaças ou chegue mesmo a agredir a vítima tem que denunciar a situação porque senão o Ministério Público não tem conhecimento e não pode agravar essas medidas de afastamento do agressor. Não deve haver receio”, sublinha.

A jovem refere que ainda existe medo e vergonha de admitir que se é vítima de violência doméstica, sobretudo por parte dos homens, que, apesar de serem uma minoria, também existem. Filipa Ribeiro da Cruz recorda ainda que a violência doméstica é considerado um crime público e por isso qualquer pessoa que tenha conhecimento deve denunciar os casos.

A história do bisavô que regressou da guerra depois de ter sido dado como morto

Nos tempos livres Filipa Ribeiro da Cruz gosta de escrever. Já vai no segundo livro publicado e está a preparar mais duas histórias. “Chovem cravos em Paris” é o título do livro mais recente, publicado este ano. A jovem aproveitou as memórias que o seu pai e a sua avó paterna lhe contaram do seu bisavô, Jesuíno, que lutou na Primeira Guerra Mundial, que participou na batalha de La Lys (França) e esteve em campos de prisioneiros. Quando chegou a São Vicente do Paul, concelho de Santarém, a sua mãe já fazia luto por pensar que o filho tinha morrido na guerra.

O livro foi concluído durante o ano em que estagiou no Consulado Português em Paris (França) durante cerca de um ano. “Adorei viver em Paris e quero muito regressar. Ter vivido lá permitiu-me retratar o ambiente pariense com maior credibilidade. A história passa-se em Paris e também em São Vicente do Paul. Quis homenagear as minhas raízes ribatejanas. A personagem principal do livro é uma mulher muito à frente do seu tempo. Inspiram-me histórias de mulheres lutadoras que conseguem alcançar os seus sonhos”, conta a O MIRANTE.

Tinha 16 anos quando publicou o seu primeiro livro. “Onde param os anjos” aborda o tema do tráfico de seres humanos. Sempre interessada pelos direitos humanos, Filipa Ribeiro da Cruz investigou na internet sobretudo relatórios que existem da ONU (Organização das Nações Unidas). “A história passa-se em Moçambique e é tudo ficcionado porque nunca estive no país mas investiguei muito para que a história parecesse real”, recorda.

A jovem de Almeirim confessa não saber de onde vem a sua veia criativa mas garante que sempre existiu. Também escreve poesia que reflecte os seus estados de alma. Gosta de colocar no papel aquilo que vai sentindo. Ainda não publicou nenhum livro de poesia mas não coloca de parte fazê-lo um dia. Filipa vive em Lisboa mas vai a Almeirim com regularidade visitar a família. Defende que falta mais iniciativa cultural e mais iniciativas para os jovens no seu concelho. Também gostava que houvesse emprego especializado e criação de empresas ligadas às novas tecnologias para os jovens poderem viver na terra onde nasceram.

Trabalhar num campo de refugiados

Filipa Ribeiro da Cruz participou numa missão de voluntariado em 2018. Esteve em Atenas, na Grécia, e garante ter sido uma das experiências mais marcantes da sua vida. Durante mês e meio conviveu com refugiados que fugiram do seu próprio país. A jovem recorda um pintor iraniano, com cerca de 30 anos, que deixou uma filha e família no seu país por ter sido perseguido politicamente. Recitou Fernando Pessoa e vendia a sua arte enquanto aguardava o visto de asilo. Actualmente vive na Holanda e ainda aguarda o momento de se reunir com a família.

Também conheceu dois irmãos sírios, de 16 e 8 anos, que ficaram sozinhos porque a mãe foi para outro país para pedir asilo. Enquanto estiveram sozinhos no campo de refugiados criou muita ligação com esses meninos que agora vivem com a mãe na Holanda. “Foi uma experiência arrebatadora. Aprendi muito sobre a resiliência humana. Por mais negro que seja o cenário, há sempre uma luz. Ainda me lembro de ver homens a olharem para o mar, para o horizonte, durante o dia. Aquelas pessoas estão à espera que a vida aconteça e mantêm a esperança que tudo vai dar certo apesar das suas vidas estarem nas mãos de outras pessoas. Aprendi e cresci imenso”, admite, acrescentando que gostava de voltar a fazer voluntariado, desta vez num país africano.

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