“As pessoas da Póvoa de Santa Iria são muito solidárias”
Francisco Cintra é um rosto conhecido do associativismo da Póvoa de Santa Iria. Já esteve ligado ao União Atlético Povoense mas foi no Grupo de Dadores de Sangue que encontrou a sua segunda família. O que o move é saber que está a ajudar o próximo. Só este ano a associação espera atingir as 1.500 inscrições.
A requalificação da zona ribeirinha da Póvoa de Santa Iria é um orgulho para toda a cidade e é o seu novo ex-líbris, defende Francisco Martins Cintra, 68 anos, vice-presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue da Póvoa de Santa Iria.
Francisco Cintra é natural de Lagos mas confessa já se sentir mais povoense do que algarvio, ainda que não renegue uma ocasional viagem ao sul do país sempre que o coração sente saudades. “Aprendi a gostar de viver na Póvoa e agora não me consigo ver fora daqui pelas amizades que fui mantendo”, conta a O MIRANTE. Vive na zona histórica da cidade, mesmo junto da fábrica da Greif. “Por causa dos cheiros já cheguei a pensar sair uma ou duas vezes mas entretanto as coisas melhoraram”, afirma o dirigente, que vê com bons olhos a construção de uma nova urbanização à beira-rio.
“Não sou contra o desenvolvimento. Se a urbanização trouxer coisas boas acho que tudo ficará melhor do que está hoje, que não é solução”, afirma o homem para quem o vandalismo na zona ribeirinha continua a ser o seu maior motivo de revolta. Diz que a cidade tem hoje o tamanho certo mas confessa que gostava de ter mais serviços e acessibilidades à disposição, como um nó de acesso à Auto-Estrada do Norte (A1) e uma repartição de finanças.
Francisco Cintra contactou com o concelho de Vila Franca de Xira pela primeira vez em 1974 quando fez a recruta na antiga Escola da Armada. Ainda residiu em Lisboa e em 1979 mudou-se de vez para a Póvoa. O seu primeiro trabalho foi aos 14 anos numa serralharia de Lagos. Depois a sua vida profissional foi passada como técnico de comunicações nos antigos Telefones de Lisboa e Porto (TLP), posteriormente Portugal Telecom e Meo, onde acabou por ser enviado para uma reforma antecipada pouco depois dos 50 anos, quando já estava no topo da carreira. Quando era miúdo sonhava ser motorista mas acabou por não perseguir essa profissão.
“Aprendi a gostar da profissão que tive com o tempo. Às vezes era dura e tinha de fazer algum sacrifício mas nunca tive medo do trabalho, sempre me desenrasquei e nunca esperei que as coisas caíssem do céu. Parado nunca estive”, recorda.
Francisco Cintra lembra tempos difíceis no país, nas décadas de 80 e 90, onde por vezes o mês ainda ia a meio e já não havia dinheiro. “Hoje em dia esquece-se muitas das dificuldades da altura. Não havia o crédito que há hoje. Não nos podemos é esquecer que ninguém dá nada a ninguém e tudo o que se deve tem que ser pago”, avisa.
“Não gosto que digam que as dádivas deviam ser pagas”
Francisco Cintra está ligado aos dadores de sangue da Póvoa há 25 anos e tem dois filhos. Quando começou a viver na Póvoa de Santa Iria foi desafiado para ingressar os órgãos directivos do União Atlético Povoense, onde esteve durante 15 anos. Depois disso, já em 1996, tomou conhecimento dos dadores de sangue e decidiu ajudar. “Nunca mais saí”, confessa.
Diz que dar sangue é um acto altruísta e generoso que custa muito menos do que aquilo que parece. “Há alturas em que parece que tenho duas famílias: a de casa e a da associação”, afirma com um sorriso. A grande cumplicidade e amizade entre todos é o que mais gosta na colectividade.
Não gosta quando ouve alguém defender que as dádivas de sangue deviam ser pagas. “Felizmente esse tempo já acabou há muito tempo e as pessoas da Póvoa são muito solidárias”, afirma. Diz que o medo das agulhas se ultrapassa e que fundamental é os dadores estarem calmos, descontraídos e com vontade de ajudar o próximo.
Este ano a associação já realizou 23 colheitas e teve 1.200 inscrições. A ambição é conseguir 1.500 até ao final do ano. “Tivemos 90 novos dadores este ano, o que é um bom sinal”, destaca. A associação tem instalações modernas, o que significa ter capacidade para acolher ainda mais pessoas que queiram dar sangue. O tipo O negativo é sempre aquele que faz mais falta. Francisco diz que ser vice-presidente da associação não tem particular relevância. “Aqui somos todos iguais e estamos todos para ajudar; não sou melhor nem pior que os outros”, diz o homem que lida mal com a injustiça e a mentira.