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Diabetes: doença silenciosa de um milhão pessoas
António Salema de Andrade é endocrinologista na Climeco, em Santarém. Isabel Tagarrinha descobriu que era diabética aos 35 anos

Diabetes: doença silenciosa de um milhão pessoas

Isabel Tagarrinha é diabética há 20 anos. Ignorou alguns dos sinais de alerta até que descobriu, por acaso, que tinha a doença. Em Portugal há um milhão de diabéticos e mais de 40% não sabe que o é. O rastreio é fundamental e a prevenção o melhor remédio, alerta o endocrinologista, Salema de Andrade, no mês da prevenção da diabetes no ano do centenário da descoberta da insulina.

Acordar, picar-se, administrar a dose de insulina e comer. Esta foi durante anos a rotina de Isabel Tagarrinha, que descobriu a doença há 20 anos. Hoje o cenário é bem diferente, facilitado pela evolução na forma de medição da glicemia e da administração da insulina, descoberta há 100 anos. O pequeno sensor que tem debaixo da pele do braço a fazer a medição contínua dos níveis de glicose passou a ser o seu grande aliado no controlo da doença.

Foi aos 35 anos que descobriu que tinha diabetes tipo 1. Apesar de a sua mãe já na altura estar diagnosticada com a mesma doença confessa que não tinha o hábito de fazer análises de prevenção. Acabou por ser o aparelho de medição da sua mãe a dar-lhe o primeiro sinal de alerta, num dia em que por mais água que bebesse nunca ficava saciada. Aconselhada pela mãe fez a testagem. No visor do aparelho apareceu o número 400, um valor de glicemia muito superior aos valores médios de referência.

Antes desse episódio, o peso de Isabel Tagarrinha, que é assistente operacional no Agrupamento de Escolas José Relvas, em Alpiarça, estava a diminuir sem motivo aparente. E esse facto, explica o endocrinologista António Salema de Andrade, era já um claro sinal de alerta para quem sofre deste tipo de diabetes, que, ao contrário do tipo 2, que tem “vulgarmente uma componente de hereditariedade”, está relacionado com um fenómeno de auto-imunidade. O aumento da necessidade de urinar, a falta de força, a fadiga e o súbito desejo de comer doces, explica, são outros sinais que não devem ser ignorados, quando recorrentes.  

Mais de 40% dos diabéticos não estão diagnosticados

Em Portugal, país onde, segundo dados da Organização Nacional da Diabetes, mais de um milhão de pessoas entre os 20 e os 79 anos sofre de diabetes, 44% ainda não estão diagnosticados. Por isso, alerta o endocrinologista que trabalha na clínica Climeco, em Santarém, é importante investir no diagnóstico precoce de forma a travar a evolução da doença. E o primeiro passo, diz, passa pelas análises de rotina onde se deve inserir o despiste aos níveis de glicemia.

A diabetes pode, tal como a Covid-19, ser classificada como uma pandemia que mata, só que de forma silenciosa. “Pode evoluir durante anos sem que a pessoa saiba que sofre da doença. Uma diabetes não tratada vai afectar todo o sistema vascular do corpo humano, sobretudo a nível cardiovascular, cerebral, renal e ofltamológico”, explica António Salema de Andrade.

Desde que tem diabetes a perda de visão passou a ser uma das maiores preocupações de Isabel Tagarrinha por isso todos os anos faz exames à retina. E a preocupação, sublinha o endocrinologista, justifica-se. “A diabetes é uma das causas mais frequentes de cegueira”, sobretudo se não for tratada.  Mas mesmo em casos que têm o devido acompanhamento podem surgir complicações. “Há cerca de seis anos estive dois anos de baixa médica porque comecei a ter problemas na vista. Tive que fazer vários tratamentos a laser”, conta Isabel.

Prevenir é o melhor remédio

Apesar de a doença poder surgir em qualquer pessoa há umas mais predispostas que outras. “A obesidade, por exemplo, facilita o aparecimento da diabetes” uma vez que a gordura intra-abdominal ou visceral em excesso “cria uma tolerância à acção da insulina”. No entanto “nem todos os obesos são diabéticos e há magros que o são”, ressalva, acrescentando que o mais importante é adoptar hábitos que previnem o seu aparecimento, o que é possível mesmo que já exista alguma predisposição genética.

De acordo com António Salema de Andrade, o exercício físico e uma alimentação saudável e equilibrada são uma boa receita para a prevenção da diabetes. E no menu, sublinha, é preciso ter em atenção o excesso do consumo de álcool e, claro, dos açúcares.

Em estado de hipoglicemia o açúcar torna-se o melhor amigo

Quando já se sofre da doença estes hábitos devem igualmente ser tidos em muita conta. Mas não há fórmulas certas, porque cada caso é um caso. Ou melhor, cada corpo é um corpo. Isabel Tagarrinha recorda-se do dia em que o seu não aguentou a espera pelo almoço. “Estava num restaurante à espera de ser atendida quando subitamente comecei a sentir-me mal”. Em poucos segundos estava desmaiada no chão. “Quando recuperei os sentidos vi pessoas à minha volta preocupadas porque não sabiam o que se estava a passar”. Nesse episódio Isabel estava em estado de hipoglicemia (açúcares abaixo do normal) e foi um pacote de açúcar que a salvou.

Episódios como o de Isabel podem ocorrer devido ao atraso de uma refeição, excesso de exercício físico, consumo de álcool, mudança ou um erro na administração de insulina. Como consequências podem surgir episódios agudos de doença cardiovascular e acidentes como quedas ou acidentes de viação devido ao desfalecimento. Nestes casos, paradoxalmente, é mesmo o açúcar, que ajuda a reverter a situação.

Falecimento precoce por doença cardiovascular associada à diabetes

A Federação Internacional da Diabetes estima que a doença afecte cerca de 387 milhões de pessoas em todo o mundo, valor que subirá para 592 milhões, em 2035, tornando-se na sétima causa de morte no mundo. O falecimento precoce por doença cardiovascular, refere o endocrinologista, assume já a causa mais comum associada à doença. É por isso, sublinha, importante manter-se um “estilo de vida saudável e tratamento adequado”.

O que é a diabetes?

A diabetes é uma doença metabólica que pode ter várias causas e que está relacionada com o aumento dos níveis de açúcar no sangue (glicemia). Segundo o endocrinologista da Climeco, o aumento glicémico resulta de defeitos na secreção de insulina - hormona produzida no pâncreas que processa os açúcares - ou de resistência à mesma. A diabetes tipo 1, que afecta uma parte menor da população, é geralmente diagnosticada durante a infância ou adolescência, mas pode, ressalva, surgir em qualquer idade. O tipo de diabetes mais comum é o 2 e é a este que se deve estar mais atento uma vez que pode ser evitado.

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