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Encontrou em Abrantes o porto-de-abrigo depois de fugir da guerra civil em Angola
Maria de Fátima fugiu da guerra civil de Angola e vive em Abrantes há cerca de 30 anos

Encontrou em Abrantes o porto-de-abrigo depois de fugir da guerra civil em Angola

A história de Maria de Fátima dava um livro. Fugiu à guerra civil de Angola e, depois de algumas aventuras, encontrou em Abrantes o seu porto-de-abrigo. É, há três décadas, gerente do café “Garagem”, situado no centro histórico, um espaço onde os clientes são tratados como família.

Maria de Fátima tem vivido uma vida repleta de anseios e tristezas, mas há quatro décadas encontrou na cidade de Abrantes o seu porto-de-abrigo. Fugiu, com 12 anos, à guerra civil em Angola, que começou em 1975, e deixou para trás os pais e a maior parte da família. Perderam o contacto durante um largo período de tempo e, apesar de o terem retomado anos depois, Maria de Fátima diz que nunca conseguiu recuperar o tempo perdido. “Sermos privados de ver as pessoas que mais amamos é um desgosto enorme e deixa marcas para a vida”, afirma a O MIRANTE durante uma conversa realizada no café “Garagem”, espaço situado no centro histórico de Abrantes e do qual é proprietária.

Da fuga de Angola para Portugal recorda-se que foi obrigada a viajar sem nada, a não ser a roupa que trazia no corpo. Assim que aterrou no aeroporto foi para São Julião, concelho de Mafra, à procura de um rumo para a vida. Para conseguir comer e pagar a renda da casa que passou a habitar, começou a trabalhar no início da adolescência numa colónia de férias. “Nunca me passou pela cabeça baixar os braços. Trabalhei durante quatro anos na colónia de férias, até que decidi com o meu companheiro constituir família e escolhemos Abrantes para o fazer”, recorda, acrescentando que a adaptação à cidade foi pacífica.

Algum tempo depois, o seu marido decidiu abrir com o irmão um restaurante no centro histórico de Abrantes, do qual fez parte exercendo várias funções. A experiência, diz, foi muito importante para o passo que se seguiu: abrir um café com o seu companheiro, onde assumiu o cargo de gerente. O antigo restaurante, situado na Pensão Lírios, continua a funcionar com o cunhado, mas a sua vontade de empreender falou mais alto.

30 anos a atender clientes

A primeira contrariedade desde que chegou a Portugal surgiu há 15 anos com a morte do marido. Ainda jovem, e com três filhos para criar, teve de trabalhar no duro para que nunca lhes faltasse nada. “O meu esforço deu frutos. Consegui formá-los como bons cidadãos e a nível académico. Não sei onde fui buscar forças, mas consegui e eles são o meu maior orgulho”, vinca.

Mais de quatro décadas depois da fuga de Angola, nunca lá voltou. Maria de Fátima conta que ainda tem lá muita família, mas os traumas que viveu impedem-na de se meter no avião para a visitar. “Angola nunca me deixou saudades porque tenho um sentimento de revolta muito grande. Só quem viu e passou o que passamos sabe avaliar. É uma ferida que nunca vai sarar”, lamenta.

Maria de Fátima está há mais de trinta anos no café e os clientes que O MIRANTE encontrou durante a reportagem dizem que o estabelecimento vive do ambiente de proximidade, onde os clientes são tratados como família. “Às vezes vêm dentro do balcão ajudar-me”, conta, com um sorriso no rosto. Maria de Fátima tem uma funcionária a ajudá-la diariamente e, de vez em quando, os filhos também a apoiam. “Há males que vêm por bem e encontrei em Abrantes a minha casa, os meus amigos e a felicidade para toda a família”, conclui.

Um nome sem apelidos

Na altura de efectuar o processo para adquirir nacionalidade portuguesa Maria de Fátima diz que os responsáveis lhe dificultaram muito a vida e que por isso ficou com o nome completo de Maria de Fátima. “Depois de várias viagens de comboio até Lisboa e de muitas horas passadas em filas, com o meu filho mais novo ao colo, quando dizia o meu nome completo, Maria de Fátima Batista Artur, pediam-me documentos que o comprovassem, mas como tinha vindo de mãos a abanar não tinha como o fazer. Cansada, disse-lhes para me darem o nome que quisessem, e eles roubaram-me os apelidos do meu pai e da minha mãe”, recorda com mágoa.

Encontrou em Abrantes o porto-de-abrigo depois de fugir da guerra civil em Angola

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