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Tabagismo é uma batalha dura de vencer
Isabel Santos deixou tabaco há 11 anos depois de 38 anos a fumar. Hélia Castro é médica familiar no Centro de Saúde de Almeirim e responsável pelas consultas de cessação tabágica

Tabagismo é uma batalha dura de vencer

Há quem deixe de fumar por motivos de saúde mas o que mais influencia é o preço do tabaco. Há quem consiga fazê-lo sozinho, como Isabel Santos, e quem recorra a consultas de cessação tabágica para derrotar o vício. Do outro lado da trincheira a indústria tabaqueira ataca com novas formas de fumar aliciantes e perigosas, alerta a médica Hélia Castro.

Ao fim de 38 anos presa ao vício do tabaco Isabel Santos libertou-se. Não foi necessária medicação, apenas um livro que ensinava um método para o fazer. Pensou várias vezes em abandonar a leitura e poucas em deixar de fumar, até porque em tantos anos só as duas gravidezes e períodos de amamentação a tinham conseguido motivar a suspender o vício. Mas antes do final do livro, a 10 de Julho de 2010, fumou o seu último cigarro.

A médica aposentada, que trabalhou no Centro de Saúde de Almeirim, fumava em média dois maços de tabaco por dia. Hoje não suporta o cheiro do fumo. Com esta mudança o cansaço, tosse e constipações recorrentes desapareceram e a pele e paladar melhoraram. “Deixar de fumar foi das melhores decisões que tomei para a saúde, além de que poupo imenso dinheiro”, diz a O MIRANTE numa conversa a propósito do Dia do Não Fumador.

Deixar de fumar sem auxílio médico e/ou de terapêutica de substituição da nicotina foi possível para Isabel Santos, mas há quem não consiga. É para casos em que a motivação falta, ou se acha que não se consegue largar o vício alimentado pela nicotina, que existem as consultas de apoio à cessação tabágica em várias unidades de saúde do país e da região. O centro de saúde onde Isabel Santos trabalhou durante 40 anos é uma dessas unidades.

Há três anos que uma médica de família, um enfermeiro, uma psicóloga e uma nutricionista formam equipa para, uma vez por semana, ajudarem utentes a deixar de fumar. “Atendemos cerca de 20 por mês e sentimos que a procura tem vindo a aumentar. Neste momento estamos a marcar consultas para Janeiro”, dá a saber a médica de medicina geral e familiar responsável pelas consultas, Hélia Castro.

Preço é o que mais influencia os padrões de consumo

Com a lei do tabaco cada vez mais restritiva há cada vez menos espaços fechados onde é permitido fumar. E ainda bem que assim é, sublinha a profissional de saúde. Depois dá um exemplo de como medidas como esta fazem a diferença: “Desde que o Centro de Saúde de Almeirim é livre de fumo, dois médicos deixaram de fumar”. No entanto, acrescenta, “o que mais faz com que as pessoas deixem o vício é o aumento de preço do tabaco”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o aumento dos impostos sobre os produtos do tabaco é a intervenção mais eficaz na redução do consumo devendo fazer parte de uma abordagem global de prevenção e controlo do tabagismo.

Ser diagnosticado com uma doença grave, engravidar ou planear fazê-lo também entram para a lista de motivos que fazem com que se largue o vício, mas nem sempre acontece. A médica de família recorda o caso da paciente diagnosticada com doença pulmonar obstrutiva crónica, que apesar de já não conseguir caminhar seis minutos sem ficar exausta, devido à insuficiência respiratória, “nunca conseguiu parar apenas reduzir o número de cigarros”.

A taxa de sucesso destas consultas não é tão alta quanto se gostaria. E para as desistências consegue-se encontrar uma justificação comum: “A pessoa não estava motivada, realmente disposta a deixar e então é fácil a desistência. Num processo destes se não houver motivação não há pílulas milagrosas”.

“O tabagismo é uma doença pediátrica”

Durante anos Isabel Santos puxou de um cigarro para combater a ansiedade, ignorando todos os malefícios associados. Recorda-se de o fazer regularmente durante o curso de medicina para aliviar a pressão durante as horas de estudo e do dia em que fez o exame do sétimo ano a fumar cigarros, uns atrás dos outros. “Naquela altura não havia a consciência que existe hoje dos malefícios do tabaco. Num dos prédios da minha cidade existia uma grande publicidade que dizia ‘LM, o cigarro dos desportistas’. Eu praticava atletismo e fumava aquele tabaco”, conta.

Tinha 17 anos quando experimentou o primeiro cigarro. Estava num almoço de família em Lourenço Marques (hoje Maputo, capital de Moçambique) quando a sua avó paterna incentivou a sua mãe fumadora a dar-lhe um cigarro para experimentar. A insistência foi tanta que a sua mãe cedeu.

Filhos de pais fumadores, explica a responsável pelas consultas de cessação tabágica, “têm mais tendência a fumar porque o comportamento é visto e socialmente aceite”. Mas os motivos que levam um jovem a fumar, salienta, vão mais além. “A indústria do tabaco, por exemplo, é extremamente apelativa para as camadas mais jovens e agora resolveu atacar com outras formas de apresentação do tabaco, desde o aquecido aos dispositivos electrónicos de libertação de nicotina, que são perigosos”, alerta, acrescentando que “a idade em que os jovens começam a fumar mais frequentemente é aos 14 anos”, o que faz do “tabagismo uma doença pediátrica” que é preciso continuar a combater.

Menta, caramelo, chocolate e cheesecake são apenas alguns dos aromas disponibilizados para as novas formas de fumar, “exactamente para atrair as camadas mais jovens, a presa mais fácil de apanhar”. Alguns deles, nomeadamente os aromas a baunilha e canela estão “implicados em pneumonias, como a bronquiolite obliterante”, uma doença pulmonar crónica que pode levar a insuficiência respiratória aguda.

Ainda sobre as novas formas de fumar Hélia Castro avisa que podem viciar mais do que um cigarro convencional. No caso dos vape (cigarros electrónicos) cada fumador “pode fabricar o seu próprio cocktail, o que permite colocar quantidades de nicotina muito superiores sem se aperceberem, além de que a forma de aspirar e a duração fazem com que se inale mais nicotina do que fumando um cigarro, que acaba ao fim de alguns minutos”. O controlo para a entrada deste tipo de dispositivos no mercado, defende, devia ser maior.

Doenças provocadas pelo uso do cigarro

Vários tipos de doença oncológica estão associadas ao consumo do tabaco, como os cancros da cavidade oral, vias respiratórias, estômago, bexiga e rins. Quem fuma está também mais propenso a sofrer um AVC, trombose, enfarte e à impotência sexual ou infertilidade.

Porque a recaída é frequente?

“Deixar de fumar é um processo complexo de avanços e recuos” que pode terminar numa recaída dias, semanas ou anos mais tarde. Porque a pessoa estava frágil, só, angustiada ou deprimida e o seu cérebro “tem memória daqueles momentos em que fumar dava prazer e relaxamento” - através do aumento dos níveis do neurotransmissor dopamina. Sensações que não passam, sublinha Hélia Castro, de uma ilusão porque “a nicotina é, em simultâneo, um estimulante”.

Tabagismo é uma batalha dura de vencer

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