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“Os jovens deixaram de estar preparados para trabalhar com pessoas idosas”
Hélia Dias é directora da Escola Superior de Saúde de Santarém desde 2019

“Os jovens deixaram de estar preparados para trabalhar com pessoas idosas”

Hélia Dias, 57 anos, directora da Escola Superior de Saúde de Santarém

Nascida em Alpiarça no seio de uma família modesta Hélia Dias foi incentivada pelos pais a progredir na sua formação. É enfermeira, professora e directora da Escola Superior de Saúde de Santarém. Diz que o ensino devia ser mais flexível e centrado no aluno. Defende que o reconhecimento dos enfermeiros não se faz só com palavras e que Santarém tem de se libertar do estereótipo de cidade próxima de Lisboa.

Num ensino cada vez mais massificado atender às individualidades de cada aluno por vezes é difícil. O ensino português tem mantido paradigmas tradicionalistas centrados no professor e mais distantes do processo de aprendizagem do estudante que devia ser o verdadeiro centro. Mas para isso precisamos de planos de estudos mais flexíveis e menos burocracias.

Na Escola Superior de Saúde de Santarém todos os alunos têm nome. As escolas devem reconhecer ao estudante a sua singularidade. Orgulho-me que esta escola tenha o melhor índice, que é de 100%, de empregabilidade, demonstrando que estudar fora dos grandes centros não tem impacto negativo no ingresso no mercado de trabalho.

Hoje o mundo do trabalho é mais precário e de maior instabilidade. A vida profissional deixou de ter o cariz de fixação. No caso dos enfermeiros que se formam a sua vontade é ficar cá mas muitos ainda procuram o estrangeiro por lá encontrarem maior estabilidade, reconhecimento e benefícios financeiros.

Sou enfermeira e sê-lo-ei toda a vida. Em Janeiro de 1986 iniciei o meu percurso profissional no Hospital de Santarém na área médico-cirúrgica, onde trabalhei oito anos. O meu interesse pela docência foi crescendo e quando surgiu o convite da Escola Superior de Saúde de Santarém não hesitei.

Os meus pais desde cedo me incutiram a importância de continuar o meu percurso formativo. Matemática foi a primeira área de escolha, que não segui porque implicava sair de Santarém - onde estudava - e à data não tinha condições financeiras. O meu pai foi toda a vida agricultor e a minha mãe doméstica.

Ao longo da vida fui progredindo na minha formação. Em 1997 comecei a especialização em enfermagem de saúde materna e obstétrica, em Évora, e em 2000 o mestrado em sexologia na Universidade Lusófona. Reconheço em mim a exigência, rigor e objectividade. Valorizo muito numa pessoa a apresentação de uma crítica acompanhada de pelo menos uma sugestão.

Exerço o cargo de directora da escola mas sou professora e é assim que gosto que me tratem. Tenho deixado o meu legado e boas memórias a alguns dos meus alunos. Um professor não pode ter a veleidade de pensar que todos os alunos o consideram bom.

O reconhecimento dos enfermeiros não se pode traduzir apenas em palavras de gratidão. Isso não basta quando estes profissionais não têm as suas carreiras e progressão salarial reconhecidas. Em Portugal formam-se os melhores enfermeiros num processo de ensino equilibrado entre o teórico e o clínico que trespassa todas as áreas de exercício ao nível instrumental, de competências interpessoais, de avaliação e prescrição, autonomia e execução de cuidados.

Os cuidados prestados pelos profissionais de saúde no Sistema Nacional de Saúde são do mais alto nível de qualidade. Mas o SNS tem que evoluir e acompanhar as exigências. Não tem havido rejuvenescimento de profissionais e isso cria instabilidade quando há um grande número de aposentações.

Os jovens deixaram de estar preparados para trabalhar com pessoas idosas. Isso deve-se à tendência cada vez maior de não se contactar com a família alargada. Este ano o curso técnico superior profissional de protecção à pessoa idosa na Escola Superior de Saúde de Santarém não abriu por falta de candidatos. Por outro lado, num país envelhecido como o nosso, os idosos começaram a ser muito mais institucionalizados.

Sou apegada à família, a quem agradeço os valores que me incutiram. Nasci nas instalações da Misericórdia de Alpiarça que, à data, tinha uma maternidade com uma parteira e médicos municipais que acompanhavam as mulheres durante a gravidez. Tenho uma irmã mais nova que é a minha melhor amiga.

Todas as noites me deito com vontade de começar um novo dia. Tenho muita confiança nas pessoas que trabalham comigo. Conhecer a escola que lidero há tantos anos e ter sido sub-directora deu-me as ferramentas para embarcar numa candidatura directa ao cargo que ocupo.

Gosto de vir cedo para a escola mas antes de sair de casa não abdico de tomar um café com o meu marido. As tarefas domésticas são muito partilhadas e ambos gostamos de cozinhar. Gosto de ler biografias, romances históricos e alguma ficção. Eça de Queirós e Miguel Torga são autores que me inspiram.

Santarém pode crescer mas para isso tem que deixar de ter o estereótipo da proximidade com Lisboa. É a cidade onde vivo e já não me imaginava noutra, mas gostava que fosse mais inovadora e fizesse rejuvenescer as suas tradições e o comércio tradicional.

Quando a minha filha nasceu, há 30 anos, a palavra amor ganhou outro sentido. Foi o dia mais feliz da minha vida. O amor por um filho não se quantifica e vai-se transformando ao longo da vida.

A doença e o falecimento da minha mãe e da minha sogra foram os momentos mais duros que vivi. Dói lutar contra algo que já não é possível combater. Aproveitei cada momento com elas e nada ficou por dizer. Mas ficou a saudade. Admito que o que mais me aflige é o sofrimento. Já tive algumas fases de doença na vida que felizmente foram ultrapassadas.

“Os jovens deixaram de estar preparados para trabalhar com pessoas idosas”

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