uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Ana Cláudia Santos escreve sobre o mistério da vida e sonha viver da poesia
Natural de Benavente, Ana Cláudia Santos tem a ambição de conseguir viver só da poesia que faz

Ana Cláudia Santos escreve sobre o mistério da vida e sonha viver da poesia

Desde que se lembra procura respostas sobre Deus, a vida e tudo o que existe. Entre tantas dúvidas, a poesia é, para Ana Cláudia Santos, a certeza de uma paixão e da vida que quer viver. Em entrevista a O MIRANTE a poeta, revisora de textos e taróloga de Benavente, autora do Meia Vida, fala do seu foco: ser escritora profissional num país que se ri quando diz que quer ser poeta a tempo inteiro.

Quando a professora lhe disse para escrever um poema não foi capaz de o fazer. Porque tinha que ser um quadrado perfeito, com versos a terminar em palavras que rimam. “E não tem que ser assim. A poesia tem que ser livre para se expressar o que se sente” e não tem que ter uma só interpretação. Aos 25 anos Ana Cláudia Santos continua a não ter jeito para rimas, mas não tem dúvida que a escrita poética é a libertação perfeita para os seus pensamentos, ânsias amarguradas e perguntas sem resposta. “O que é Deus, o mundo e como viemos cá parar?” - são estes os desassossegos que se expõem em “Meia Vida”, o primeiro livro editado da jovem poeta de Benavente.

Antes de descobrir a poesia viveu na angústia de não conseguir expressar-se. Nem pela oralidade nem através de um texto narrativo, “demasiado limitador”. Nunca foi de grandes euforias nem de muitos amigos na escola. Reservada, começou a questionar-se sobre tudo o que a rodeava. Os pais diziam-lhe para “não pensar tanto nisso”, mas Ana Claúdia Santos começou a tentar encontrar respostas e refúgio na leitura. “Já nessa altura gostava mais de livros do que brinquedos”. Menos dos que contam histórias de amor. Prefere os de ficção e os que reflectem pensamentos filosóficos sobre o mundo e a existência de tudo o que o habita.

Mudou-se para Lisboa para estudar literatura na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e por lá ficou. Concluiu mais um curso de escrita literária e outro de produção de marketing e eventos. Mas é em Benavente que encontra a inspiração e “a paz para escrever”. Foi precisamente na vila ribatejana que Ana Cláudia Santos se sentou num banco de jardim para falar com O MIRANTE sobre a luta de uma jovem que quer viver da poesia num país onde a sociedade “ainda se ri” dos que querem viver do seu talento, da arte e da cultura.

Lançaste o teu primeiro livro de poesia em 2020 e em paralelo lançaste o projecto LUA - Literatura, Universo e Artes onde num mesmo evento misturas sessões de declamação de poesia, música e outras formas de arte. Se fosse só poesia o público não apareceria?

Sim, foi porque tive esse receio inicialmente. Depois percebi que funciona bem misturar várias formas de arte e cultura num evento só, criado com o objectivo de dar a conhecer a minha poesia. Enquanto a declamo sinto que meto os outros a pensar e a questionarem-se, a duvidar de algo que tinham como certo. Sou realmente feliz a escrever poesia e a realizar estes eventos. É o que quero fazer na minha vida. Poder viver da poesia ao invés de ter um chefe e trabalhar num sítio onde não me sinto feliz.

Enquanto não se alcança esse sonho do que se vive?

Actualmente trabalho numa empresa de audiobooks na edição e revisão de textos e não posso dizer que não gosto do que faço. Mas já tive que viver de outros trabalhos e nunca me senti tão miserável. Na altura em que trabalhei em cafés e na restauração parecia que a minha alma era sugada. Lido muito mal com pessoas a falar mal para mim. Sentia-me mal. Não percebo, faz-me confusão porque é que tivemos direito a este milagre da vida e muitos de nós terem que viver vidas tão miseráveis, a fazer o que não gostam. Isso faz-me querer ainda mais ser poeta, fazer o que quero e me faz feliz.

Foi por isso que te inscreveste no concurso New Talent, da revista NIT, por saberes ser tão difícil viver-se da poesia em Portugal?

Vencer o concurso foi o melhor que me podia acontecer, para continuar o meu projecto. Sinto que passei a ser mais valorizada, mas as pessoas riem-se quando digo que quero ser poeta a tempo inteiro. Porque é que é descabido? Em todo o mundo e em todos os tempos houve poetas a tempo inteiro. Não é uma coisa fácil mas não custa tentar.

Sentes que essa é uma luta só da Ana Cláudia Santos ou existem poetas aliados?

O que sei é que o nicho da poesia em Portugal está a crescer cada vez mais e que todos queremos viver da poesia, mas todos temos outro tipo de trabalhos. Desde a pandemia, por exemplo, começaram a surgir novos movimentos de poesia de norte a sul do país, talvez porque as pessoas no tempo em que estiveram fechadas em casa tiveram tempo para pensar nos projectos que há muito queriam pôr em prática.

Os teus pais também são teus aliados nesta ambição de viver só da poesia?

Desde muito cedo os meus pais perceberam que não ia ter um trabalho convencional e que iria seguir pelo ramo artístico. Apoiam-me e quero muito deixá-los orgulhosos. Sei que tenho a maior sorte do mundo em ter os pais que tenho. O meu namorado também é o meu grande apoio, sobretudo no LUA.

Caso não consigas ser poeta a tempo inteiro atreves-te a ir para fora?

Duvido. Adoro viajar, mas não me imagino a viver fora do meu país. A minha vida é aqui e é aqui que quero fazer com que a poesia resulte e esteja de volta à vida das pessoas. Que deixe de ser algo distante, do passado.

Faz-se boa literatura actualmente em Portugal ou o facto de qualquer um conseguir editar um livro dificulta a triagem?

Está-se a fazer boa literatura e há muitos bons exemplos. Mas também é verdade que o que é mais comercializado pelas editoras é o que é fácil e rápido de se ler e entender. Todos temos o direito a escrever, mas muitas vezes há quem tenha essa vontade tão grande que aceitam propostas de editoras que nem estão assim tão interessadas em fazer com que aquele livro tenha sucesso. No meu caso, decidi não procurar nenhuma. O artista plástico João Massano ilustrou o livro e ajudou-me a editar os 13 poemas. A paginação foi um desafio, mas valeu a pena. Só falta o lançamento que vai acontecer a 22 de Janeiro na livraria Ler Devagar, na LxFactory.

Em que momentos e locais escreves?

Escrevo em poucas ocasiões, mas quando começo só páro quando o poema está terminado. E por mais estranho que possa parecer, esses momentos acontecem quando estou em Benavente, na sala, com os meus pais ao lado sentados no sofá. Sinto-me segura, em casa. Quando estou em Lisboa parece que há sempre algo que não está certo, que falta alguma coisa.

Que autores inspiram uma poeta que não escreve sobre o amor, mas sobre os mistérios de Deus e da vida?

A minha maior inspiração é Mário de Sá Carneiro. Só o conheci na universidade, mas apaixonei-me de imediato pela sua escrita sobre o mistério da vida, desta estranheza que é estar vivo. O meu poema “Além Incêndio” é uma homenagem a ele. Depois Fernando Pessoa. Curiosamente, as poetizas que me inspiram estão vivas e são da minha geração, como a Solange Pacífico, por exemplo. Leio, claro, outros poetas mas não decoro poemas porque na escola tivemos que decorar as matérias. Agora gosto de ler e me desapegar.

Acreditas na existência de Deus ou essa, além de ser inspiração, é a tua maior dúvida?

Não sei. Acordo e deito-me a pensar se Deus existe. Mantenho conversas com essa entidade, mesmo sem saber se é real ou não, e chateia-me, dói-me, não ter prova da sua existência e saber que vou morrer assim. Cheguei a entrar na igreja e ficar lá parada à procura dessa resposta. Sinto que há algo superior a nós, mas preciso de mais do que sentir.

Fazer leituras de tarot também é parte dessa busca por uma prova?

Comecei o meu pequeno negócio de leituras de tarot há sete anos porque sempre me interessei pelo esotérico. Depois de começar a ler para amigos e bater tudo certo decidi continuar e tirar um curso de tarot avançado e hoje em dia faço leituras por telefone ou por escrito. Mas sinceramente, e nunca o escondi, não sei se acredito que aquilo que digo enquanto taróloga é verdade. Curiosamente, Fernando Pessoa era astrólogo.

Ana Cláudia Santos escreve sobre o mistério da vida e sonha viver da poesia

Mais Notícias

    A carregar...