José Roque: um século de histórias de um dos maiores empresários da região
José Roque tem 101 anos de uma vida de sucesso conquistado através do trabalho e da sua capacidade de liderança. O seu pai fundou a Camionagem Ribatejana e ele, em conjunto com o irmão, Manuel Roque, ajudaram a fazer crescer o negócio pioneiro no transporte rodoviário de passageiros no Ribatejo. Nesta entrevista ficamos a conhecer o percurso de um homem que nunca teve medo de arregaçar as mangas e que sempre primou pela modéstia e capacidade de escutar a opinião dos outros.
José Roque está perto de completar 102 anos mas as características que fizeram dele um dos empresários de maior sucesso da região mantêm-se quase intactas. Continua a ter uma opinião bem formada e ainda não perdeu o entusiasmado, e por vezes inflamado, discurso quando é para meter o dedo na ferida sobre, por exemplo, o Estado ou o estado das coisas na cidade de Santarém.
As pernas já não respondem da mesma forma, a visão é quase nula, mas a vontade de viver fazem-no levantar da cama todos os dias e sentar-se no banco do jardim de sua casa para cumprimentar os vizinhos e quem passa na Rua 25 de Abril, em Santarém. É nesse banco que o repórter de O MIRANTE o encontra acompanhado da dona Idalina, amiga da família há várias décadas, que o ampara e conduz para o almoço dentro de casa.
O sobrinho, Frederico Roque, abre caminho para o encontro que resulta numa conversa realizada no seu escritório, repleto de antiguidades e de testemunhos de uma vida de trabalho como gestor de uma das maiores empresas de transportes do país. Não gosta de falar da sua vida, mas desta vez abre uma excepção para contar a O MIRANTE como nasceu a Camionagem Ribatejana, que durante muitos anos funcionou no edifício onde está actualmente a Rodoviária do Tejo.
José Roque nasceu em Alcântara, Lisboa, em 1920. É filho de uma empregada doméstica e de um empregado dos eléctricos da Carris. Teve um irmão e duas irmãs, sendo que a mais nova morreu aos 14 anos com tuberculose, tal como aconteceu à sua mãe anos mais tarde. Aos cinco anos veio para o Ribatejo depois de um colega de trabalho do pai o ter desafiado para montar um negócio de transportes na região. Mudaram-se para Alqueidão do Mato, uma aldeia na freguesia de Alcanede. “O meu pai montou uma ‘carreira’ de Alqueidão para Santarém e a viagem demorava mais de duas horas porque não existiam estradas. Aos seis anos já acarretava pedras para tapar buracos no caminho. Transportávamos cerca de 20 passageiros por dia”, recorda.
Entretanto mudaram-se para Santarém, deixou os estudos e começou a trabalhar para o pai como moço de recados. O negócio não parava de crescer e o pai, José Roque Dias, fundou a Camionagem Ribatejana em 1937. Não se recorda de quantos veículos dispunham, apenas que subitamente já estavam a fazer uma rota que passava por Monsanto, Alcanena, Pernes, Santarém e Lisboa. “Alcanena era um centro de grande indústria por causa dos curtumes. Foi uma jogada muito bem conseguida e que nos deu margem para crescer à vontade”, afirma.
Nos anos 40 assumiu a gestão do pessoal. Por motivos de saúde o seu pai começou a abandonar a empresa, mas a transição foi pacífica porque, diz, teve sempre autonomia para decidir. “O meu pai era um homem extraordinário. Confiou sempre nas minhas decisões, mesmo em casos que envolviam juízes e ministros por causa da compra de terrenos”, refere. Como patrão afirma que sempre gostou de meter as mãos na massa. Diz que sempre foi modesto, procurando escutar as opiniões de todos os colaboradores. “Chegámos a ter uma centena de funcionários e todos eram tratados como família. Viviam todos no concelho de Santarém, excepto dois ou três que eram do Fundão e de Castelo Branco”, conta.
POLÍCIA “CHATO” NA ORIGEM DA CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO SEDE
Em 1956 é construído o edifício da Camionagem Ribatejana na Avenida do Brasil, em Santarém. José Roque assume que foi uma obra que marcou uma época e que só aconteceu porque um agente da polícia não parava de os chatear por terem os autocarros estacionados no meio da avenida. “Durante anos esse polícia deu-nos cabo da cabeça porque tínhamos os autocarros a impedir a circulação do trânsito. Nunca ligámos muito, mas chegou uma altura em que se tornou impossível porque já havia muitas famílias a utilizar automóvel”.
Ao contrário da realidade actual, antigamente existiam muitas empresas de transporte rodoviário de passageiros. “As mais conhecidas na região eram a nossa e os Claras, em Torres Novas. As rotas eram mais pequenas e por isso existiam várias empresas. Entretanto houve a fusão das empresas e criaram-se as rodoviárias”, explica.
A Camionagem Ribatejana encerrou actividade em 1971 por razões que José Roque prefere não aprofundar. Nessa altura tinham instalações em Santarém, Almeirim, Montemor, Monsanto e Nazaré e uma frota com mais de 70 autocarros. Vendeu a empresa aos “Belos”, do Alentejo, e fundou a Roques Lda., que fazia, como ainda faz, comércio de veículos, equipamentos e serviços. José Manuel Roque, sobrinho, e José Alberto Roque, filho, agarraram num negócio que ainda hoje é líder de mercado e emprega mais de uma centena de pessoas.
Um aperto de mão à rainha de Inglaterra
No final da entrevista o repórter pediu a José Roque para partilhar alguns dos acontecimentos que ainda mantêm vivos nas suas memórias. Automaticamente viajou para o tempo em que ia ter a Paris com o professor e seu grande amigo Joaquim Veríssimo Serrão, onde dava aulas. “Às vezes ia de carro, outras de avião, e foi graças a essas viagens que conheci o director-geral da Renault, que passou a ser a principal parceira da Roques Lda”, conta.
Uma das grandes curiosidades da sua vida, que poucas pessoas conhecem, foi quando apertou a mão e conversou com a rainha de Inglaterra, Isabel II. “Conheci-a quando estava grávida do príncipe Carlos. Fui assistir a um concerto no Royal Albert Hall e ela olhou para mim e viu que tinha um pin de Portugal na lapela do casaco. Olhou-me nos olhos e disse com entusiasmo: ‘Aliados’”, recorda.
Lida-se melhor com a morte quando se começa a perder faculdades
José Roque é um homem emotivo que aprendeu a camuflar as emoções ao longo da vida. Durante a conversa com o repórter raramente demonstrou comoção, excepto quando falou da sua esposa Sílvia e do dia da sua morte, há cerca de seis anos. Não entrou em pormenores, apenas referiu que as causas da sua partida foram as mesmas que colocaram o seu filho, José Alberto Roque, agarrado a uma cama de um lar de idosos: um acidente vascular cerebral (AVC). José Roque sente-se com uma saúde de ferro, embora admita que a hora da sua partida está mais perto do que nunca. “Quando uma pessoa deixa de conseguir fazer determinadas coisas, como ouvir, ver ou tem que urinar para uma fralda, começa a aceitar que se tem de ir embora”, confessa.
Sobre os segredos para a sua longevidade diz, sem papas na língua, que nunca foi vadio e não cometia excessos, inclusive, conta em jeito de brincadeira, abrandou a sua vida sexual a partir dos 70 anos. “A partir duma certa altura temos que nos fazer de cansados porque conheço muita gente que morreu a praticar sexo. Há outras formas de dar prazer a uma mulher sem penetração”, explica com um sorriso no rosto.