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Uma mulher de utopias que não acredita em homens providenciais
Helena Pinto admite alguma tristeza por não ter sido reeleita vereadora em Torres Novas

Uma mulher de utopias que não acredita em homens providenciais

Helena Pinto foi deputada do Bloco de Esquerda durante dez anos, fez dois mandatos como vereadora na Câmara de Torres Novas, onde protagonizou uma oposição incómoda, e agora dedica-se ao voluntariado mas sem desligar da política. Confessa alguma tristeza por não ter sido reeleita vereadora, admite que se fechou um ciclo e fala de algumas das lutas que partilhou com a comunidade, como o encerramento da Fabrioleo e a contestação ao fecho do acesso à nascente do Almonda.

Helena Pinto nasceu em Beja no dia 5 de Setembro de 1959. É animadora social, formadora e política. Dedica-se actualmente, em regime de voluntariado, à associação FEM – Feministas em Movimento, de que é presidente da assembleia-geral. Foi deputada do BE durante dez anos e vereadora na Câmara de Torres Novas entre 2013 e 2021.

Viveu grande parte da sua vida em Lisboa, até se mudar para Torres Novas há quase 26 anos, onde reside com o companheiro António Gomes, também militante do BE, que assistiu à conversa na Biblioteca Municipal de Torres Novas. Diz-se feliz na cidade do Almonda mas considera que o concelho e a região não têm aproveitado todo o potencial que têm.

Ficou desiludida com o eleitorado de Torres Novas, que não lhe renovou o mandato como vereadora?

Fiquei desiludida com o resultado, não propriamente com o eleitorado, porque as pessoas votam como entendem em cada eleição. É uma decisão soberana dos eleitores.

Mas, face ao trabalho que vinha desenvolvendo, provavelmente esperaria um resultado melhor?

Não era só eu, acho que muita gente esperava. Aliás, quase se deu por garantido que o Bloco de Esquerda (BE) tornaria a eleger um ou mais vereadores.

Isso poderá ter levado a alguma desmobilização de potenciais eleitores?

Já fizemos a análise dos resultados mas por vezes temos de deixar passar algum tempo para reflectir e para se verificar o verdadeiro impacto das coisas. A realidade é que ainda hoje há pessoas que vêm ter comigo e perguntam como é possível não ter sido eleita. As pessoas continuam a dirigir-me questões e dúvidas, a pedir opiniões.

Apanhou, como se diz na gíria, um grande melão?

Fiquei triste, como é óbvio, mas tenho de aceitar. A minha experiência política também me leva a aceitar com alguma relativa calma os resultados. É óbvio que poderia recear que isto tivesse algum impacto negativo junto das pessoas que se juntaram ao BE, depois de tanto trabalho, depois de tanta proposta. O BE em Torres Novas tem a tradição de trabalhar com muita gente que não é militante e com muitos jovens que têm vindo a aproximar-se do partido.

Para onde é que os eleitores fugiram? Será que o voto de protesto se transferiu para outros partidos que entretanto surgiram, como o Chega?

Penso que não, até porque o Chega não teve um resultado significativo em Torres Novas. Aqui houve outro fenómeno, a candidatura do ex-presidente da câmara, que foi, por assim dizer, inflacionada. Porque quem seguiu a campanha do António Rodrigues podia ficar com a percepção que ele ia ganhar as eleições. Penso que isso veio baralhar as contas e torna-se irónico, porque António Rodrigues, que aparecia a dizer que só se candidatava a presidente, que ia ganhar as eleições, acaba por ser quem favorece a maioria absoluta de Pedro Ferreira.

Em que sentido?

Estou convicta que houve votos que foram para o PS por causa do António Rodrigues e votos que foram para o António Rodrigues por causa do PS. Repare-se que o PS teve nova maioria absoluta confortável mas perdeu mil votos.

O resultado eleitoral faz passar a ideia que o eleitorado torrejano continua satisfeito com a gestão socialista que já dura há quase três décadas.

Isso não é bem assim. Para já, estamos a falar do eleitorado que vota e depois há vários factores que determinam a escolha das pessoas. Por vezes as pessoas privilegiam alguns aspectos, outras vezes votam na opção que julgam menos má. Mas o facto de o PS ter uma maioria absoluta não quer dizer que toda a sua política e toda a sua forma de trabalhar no concelho seja apoiada. Não é!

Como viu essa candidatura independente de António Rodrigues? Deve-se a apego ao poder, à sede de protagonismo?

Em política acho que tudo tem o seu tempo. E quando forçamos contra o tempo natural das coisas não dá bom resultado. Cada pessoa deve saber o momento em que deve estar e o momento para se retirar. António Rodrigues não soube fazer isso e quis novamente afirmar-se. Acho que foi um dos grandes derrotados desta eleição. Não nos podemos esquecer que ele também se candidatou em 2013, então à assembleia municipal, abandonou as funções a meio, e agora aparece como uma espécie de salvador que ia mudar tudo e afinal não foi assim...

Foi deputada, foi vereadora. Não sente agora um vazio na sua actividade política?

Era o que estava a dizer: as pessoas devem saber até quando devem estar e quando devem sair. Fui deputada do BE dez anos, gostei muito, tenho muito orgulho nesse trabalho, mas acho que cumpri essa parte. Depois fui vereadora, também gostei muito, embora fosse na oposição.

Esse ciclo também já está fechado?

Sim, foi a terceira vez que me candidatei. Daqui a quatro anos logo se verá mas tenho a consciência da idade que tenho e também do meu ciclo político. E há outra ideia que me é muito cara: para entrar gente nova, os que cá estão têm mesmo de sair. Porque não há lugares ao colo. Não se pode dizer para os jovens virem para a política e depois querer estar sempre a ocupar esses lugares.

Não tem apego ao poder e aos lugares?

Francamente, não. Há muita coisa para fazer. Mas gosto muito da actividade política e vou continuar a dar os meus contributos.

“As eleições correram mal ao BE; temos de perceber o que se passou”

Mais uma vez a escolha do cabeça de lista do BE por Santarém às legislativas revelou divergências. A estrutura distrital escolheu Ana Sofia Ligeiro mas a estrutura nacional optou novamente por Fabíola Cardoso. A vontade das bases não conta no BE?

A vontade das bases conta e muito. O BE é um partido democrático e tem estatutos claros que definem concretamente a designação dos primeiros candidatos das suas listas. Pode acontecer que existam divergências sobre quem deve encabeçar as listas e, quando isso acontece, a mesa nacional tem a última palavra. Foi o que aconteceu, como já aconteceu há dois anos.

Curiosamente com a mesma cabeça de lista.

Sim. Acontece que, entre uma eleição e outra, realizou-se uma convenção nacional em que houve quem propusesse a alteração dos estatutos, nomeadamente as pessoas que se organizam na tendência que fez essas propostas, e isso foi chumbado. Ora, a democracia de um partido não se afere por um qualquer acto isolado, mas sim pelo seu órgão máximo, que é a convenção, onde estão todos representados.

Isso é fácil de perceber. O que não parece muito normal é ter acontecido duas vezes seguidas a mesa nacional rejeitar o cabeça de lista escolhido pela distrital de Santarém. A imagem que transparece é que o BE tem um discurso moralizador da actividade política mas, depois, manifesta os mesmos tiques de outros partidos quando se trata da escolha de lugares.

Percebo a questão mas com toda a franqueza digo que se há polémicas, e são públicas, nós vamos encará-las e discuti-las. Não vejo que haja por aí grande problema. Fabíola Cardoso esteve dois anos como deputada, sendo que um desses anos, pelo menos, foi de pandemia. Portanto, em princípio, fazia todo o sentido continuar o seu mandato. Por outro lado, foi uma boa deputada. Levou os problemas do distrito ao Parlamento como não tinham sido ainda levados. Veja-se os casos da ponte da Chamsuca, do rio Tejo, da Renova, da Fabrióleo, da Linha do Norte…

Mas, em 2019, o então deputado do BE Carlos Matias não teve a mesma oportunidade, ao ser rejeitado pela mesa nacional como cabeça de lista por Santarém.

Não quero comparar as duas situações, estou a falar do trabalho que a Fabíola Cardoso fez e que só teve dois anos para fazer. Acho que não havia motivo para não ser novamente candidata. Carlos Matias fez quatro anos de mandato. Completou-o. Fez o que fez. Tudo tem o seu tempo.

O seu camarada Luís Gomes, coordenador distrital do BE, disse a O MIRANTE que as principais bandeiras do BE estão muito viradas para os grandes centros urbanos, desvalorizando o que são os desafios dos concelhos de pequena e média dimensão. Subscreve essa opinião?

Não posso subscrever essa opinião, senão estava a pôr em causa o trabalho que fiz durante oito anos. Durante esse tempo, aqui, em Salvaterra, em Abrantes, no Entroncamento, os autarcas do BE fizeram centenas de propostas. Mas não quero falar pelos outros. Aqui em Torres Novas apresentámos um programa nas últimas autárquicas com todas as nossas propostas. Uma visão para um concelho, no contexto do Médio Tejo, de como se há-de afirmar e desenvolver. Portanto, o BE não pensa só para os grandes centros.

Mas a mensagem parece não passar. E a perda de representatividade no poder local acaba por ser um factor negativo para a vossa afirmação e consolidação no todo nacional.

A perda de representação nas autarquias é um factor negativo, as eleições correram-nos mal, temos que perceber o que se passou. Agora, daí a tirar extrapolações que, sobretudo, atribuem a culpa a outros factores que não aos próprios envolvidos é que não está certo.

Acha que a regionalização é realmente a cura para essa assimetria que existe no nosso país?

Ajudará bastante, mas não há bálsamos. Sobretudo, democratizará as decisões e vai permitir analisar os territórios sob outra perspectiva. Basta ver o exemplo do nosso distrito. O Médio Tejo pensa todo ele numa perspectiva de região? As câmaras pensam? Nesta última campanha ouvi até candidatos, como António Rodrigues, a dizer que estavam cá para concorrer com os vizinhos. Um exemplo do que defendemos é a criação de um parque industrial a sério mas potenciando os vários concelhos.

“O rio Almonda é de toda a gente, não pode ser de privados”

Helena Pinto esteve na denúncia de vários problemas em Torres Novas, como o da Fabrioleo. A fábrica finalmente encerrou mas o passivo ambiental ainda não está eliminado, pois a ETAR contendo matérias tóxicas continua lá. Esperava mais celeridade nesse processo?

Sim, exigia-se mais celeridade por parte das entidades competentes. A primeira pergunta feita ao Governo pelo BE, que foi a primeira entidade a fazê-lo, data de 2006. Já estamos em 2021! Foi um assunto que atravessou dois mandatos autárquicos e que agora, pelos vistos, vai continuar para um terceiro mandato. Tudo o que aquilo significa tem que se resolver. A população merece uma solução. Esta não é a forma de tratar um problema tão sério e tão grave.

Pelo que se tem ouvido, a Câmara de Torres Novas está disponível para proceder à demolição da ETAR, desde que haja financiamento do Estado.

A câmara já devia ter demolido há muito tempo...

Mas isso custa dinheiro.

A demolição propriamente dita, na altura, não custava assim tanto dinheiro. O problema agora é o que se faz aos resíduos que lá estão dentro. Porque quando aquela ETAR começou a ser construída sem licença, junto à ribeira, a câmara, que embargou a obra e eles desobedeceram, devia ter lá ido deitar aquilo abaixo.

Não houve fiscalização à altura?

Não houve fiscalização e também não houve coragem política, digamos assim… E as coisas foram-se avolumando. Aquilo é uma bomba-relógio. Basta ir lá para perceber. A câmara já tomou a iniciativa de fazer análises, para se perceber exactamente o que lá está? Não! E isso não custa assim tanto dinheiro. Peça-se um orçamento para saber quanto custa a eliminação da ETAR e depois comece-se a pressionar o Governo ou outras entidades para ajudarem a comparticipar as despesas. Mas é preciso começar.

O acesso público à nascente do Almonda continua barrado pela empresa Renova, apesar de a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ter esclarecido que a Renova não poderá impedir o acesso à nascente do rio Almonda. O que pensa disso?

Essa foi outra situação muito desagradável.

Na sua perspectiva houve também aí falta de coragem política?

Há sobretudo falta de olharmos para o passado, porque a Renova tem uma história neste concelho, e depois tentarmos resolver, à luz do que sabemos hoje e da forma como a sociedade se organiza, um problema que até emana do bom senso. Porque o rio é de toda a gente, é da comunidade, não pode ser de privados.

Como classifica a posição da Câmara de Torres Novas neste processo?

A Câmara de Torres Novas aceita tudo o que a Renova lhe disser. É uma posição subserviente. Não tenho dúvida nenhuma. Cheguei a estar em reuniões da vereação com a Renova e é assim que classifico essa relação, de subserviência. A Câmara de Torres Novas deve defender as empresas, quem aqui trabalha e produz riqueza, mas tem de defender sobretudo os interesses da sua comunidade.

A Renova alega questões de segurança para impedir o acesso. Não é uma justificação pertinente?

Há muita forma de alertar para a segurança de um espaço sem ser necessária aquela ostensiva forma como se vedou a nascente, que também teve um significado. As pessoas que vivem lá perto sentiram-se ofendidas com aquelas vedações enormes. Durante anos e anos nunca houve essa restrição. De repente houve um problema de segurança? Não! Houve ali uma intenção de marcar território. E, historicamente, as pessoas têm uma grande ligação àquele local, ao lugar que havia ali na margem do Almonda. Isto precisa de uma solução.

E qual é?

Nós propusemo-la no nosso programa eleitoral e é relativamente fácil. Pode envolver a câmara, entidades estatais e a própria Renova, que, se for chamada a conversar, compreenderá que só tem a ganhar se devolver aquele espaço à comunidade e não fazer um braço de ferro com a população.

O sonho de ajudar a mudar o mundo não passa com a idade

O que pensa das touradas?

Sou contra. Acho que o sofrimento animal não se justifica.

Considera-se uma mulher feliz?

É difícil de responder. Pessoalmente sinto-me feliz. Sou uma pessoa realizada, estou bem com o meu passado, com o meu presente, tenho uma família óptima. Tenho um marido que partilha os meus ideais e estilo de vida, tenho uma filha e um enteado com quem também me dou bastante bem. Tenho uma grande família, sou a sétima filha, tenho muitos sobrinhos... Por outro lado, sou uma pessoa que por vezes sente uma grande frustração...

Por não conseguir mudar o mundo?

Exacto. Parece uma grande ambição, mas não é. Devia ser aquilo que toda a gente queria. Sinto uma grande frustração e, às vezes, mesmo decepção, ao ver certas coisas.

Continua a ser uma mulher de utopias?

Pois, isso não passa com a idade... Quando vemos pessoas a morrerem no Mediterrâneo ou agora no canal da Mancha, a fugirem à fome e à guerra, temos de questionar como é possível que aconteça. Isso tem que acabar! Já estamos a levar a terceira dose da vacina e há milhões de pessoas que ainda não levaram a primeira, numa atitude perfeitamente egoísta, quando ainda por cima se sabe que enquanto essas pessoas não forem vacinadas não nos livramos da pandemia. É a evidência suprema de como o capitalismo é egoísta, cruel e tem que ser combatido.

Liga às tradições natalícias?

Ligo na medida das possibilidades. Agora, por causa da Covid, é uma grande chatice, mas habitualmente juntávamos a família, os que podiam estar, comia-se o bacalhau, faziam-se bolos… É um momento de partilha, de estarmos juntos.

Alguma vez acreditou no Pai Natal?

Acho que não.

E em homens providenciais?

Nesses muito menos. Em relação ao Pai Natal ainda podia ter algumas dúvidas, mas em relação a homens providenciais não.

E em Deus, acredita?

Não acredito em Deus.

Uma mulher de utopias que não acredita em homens providenciais

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