O Natal é todos os dias menos nas redes sociais
Para mim o Natal sempre foi sinónimo de paz e não de festa.
Festejei o Natal com um resfriado que me tirou o prazer de saborear o vinho e a aguardente na noite de Natal mas não os filhoses que foram os melhores que comi nos últimos anos e me fizeram lembrar aqueles que a minha mãe fritava quando era criança. Desta vez não fiz da água de cozer os grelos a melhor bebida para acompanhar a refeição da noite de Natal porque encomendei grelos de nabos e venderam-me grelos de couves. Para mim o Natal sempre foi sinónimo de paz e não de festa. Uma contrariedade em tempo de Natal não me tira do sério. No Natal tenho menos fome e menos vontade de viajar. Se bem me lembro nunca passei um Natal ou festejei a passagem do ano fora de casa. Há uma razão acima de todas as outras que tem a ver com a minha personalidade: sempre trabalhei quando os outros festejavam, mesmo quando era criança e adolescente; o trabalho para mim sempre foi sagrado tanto quanto os dias santos. Há prendas de Natal no meu imaginário mas não foram importantes para a minha infância; começaram a ser quando chegou o tempo de oferecer prendas aos meus filhos. Mesmo assim não me posso gabar de ter sido um bom Pai Natal.
Neste Natal vi uma pessoa apanhar uma beata do chão e levá-la directamente à boca e fumá-la com um prazer de quem tinha saudades de um cigarro. Fiquei a pensar no assunto; uma coisa é saber que há pessoas que fumam as beatas dos outros, outra coisa é presenciar uma situação de extrema pobreza e necessidade que, neste caso, também me pareceu derivada de transtornos psicológicos. Foi uma cena que me abanou. Ninguém sabe para o que está guardado.
Neste Natal ligaram-me a perguntar como me encontravam nas redes sociais. A resposta foi a mesma de sempre: eu estou lá mas não estou. De verdade nunca postei um texto ou uma foto numa rede social, nem sobre o meu trabalho nem sobre a minha vida, os meus gostos e preferências. As redes sociais são, regra geral, os lugares mais mal frequentados da nossa sociedade. É por lá que as pessoas destilam veneno, abusam dos direitos de autor, escrevem o que depois não são capazes de assumir publicamente e até lhes causa pesadelos; é nas redes sociais que as pessoas dão a ver o veneno da sua boca, mas também de quanta ignorância é feito o seu padecimento.
Neste Natal, como em todos os outros, enviei uma dúzia de mensagens a uma dúzia de amigos para não ser mal agradecido; para mim o Natal é todos os dias; e para manter o espírito todo o ano preciso de viver o Natal como eu gosto e não como os outros vivem e gostavam que eu também o vivesse. Neste Natal reli e ofereci um dos livros do ano. Na próxima semana deixo a dica dos livros de 2021.
Na passada semana fiz aqui um elogio a Maria José Morgado que, entretanto, deu uma entrevista ao jornal Público e à rádio Renascença que merece ser lida por quem se interessa pelos fenómenos da Justiça. Deixo aqui um pequeno texto de resposta a uma pergunta que fala de “cultura de impunidade que existe há muitos anos, de nepotismo, amiguismo e que tem feito de Portugal um país pobre e atrasado, dominado por fenómenos de corrupção e fenómenos próximos da corrupção. A corrupção tem laços com outra criminalidade, é sempre instrumental. Em termos de legislação, tem sido feita uma legislação transbordante que em nada tem contribuído para a eficácia. Bem pelo contrário, tem contribuído para um hipergarantismo que conduz ao atraso, à morosidade mórbida dos processos, nomeadamente à dificuldade de recolha de prova e produção de prova em julgamento. Os próprios governos nunca estabeleceram um organismo com efectivos poderes de prevenção. Foi agora criado ( : ) o mecanismo nacional anticorrupção, que entrará em vigor em Maio. Segundo o decreto-lei que li, será uma coisa mastodôntica, ultraburocrática, um carro com rodas quadradas que visa substituir o Conselho para a Prevenção e Combate à Corrupção e que comete os mesmos erros. Tem no seu corpo a representação de todos os inspectores-gerais de todos os ministérios, o que conduz a uma governamentalização e dificuldade de funcionamento enorme”. Para bom entendedor meia palavra bastava. JAE.