Cartoon Xira: os temas da actualidade com traços de sátira e humor
Nas suas ilustrações traçam temas controversos com humor que pode ser mais ou menos cáustico.
Na inauguração da 24ª edição da Cartoon Xira O MIRANTE falou com alguns dos artistas sobre os limites do humor, os temas tabu e a liberdade de expressão. Se para uns a resposta é subjectiva outros não hesitam em dizer que o cartoon tem que ser provocador e meter o dedo na ferida. Se vai haver quem não goste? Certamente que sim.
Os encobrimentos dos abusos sexuais na Igreja Católica, Putin e os impactos da guerra na União Europeia, a morte da rainha de Inglaterra, António Costa e o PRR e novamente Putin colado à posição polémica do PCP sobre a guerra. São temas que marcaram o ano de 2022 e que serviram de inspiração a alguns os 100 cartoons presentes na 24ª edição da Cartoon Xira. Mas será correcto fazer humor e satirizar sobre todos os temas? Onde começa e acaba a liberdade de cada um? Estas foram algumas das perguntas respondidas pelos cartoonistas na inauguração da exposição que vai estar em exibição até 4 de Junho no Celeiro da Patriarcal, em Vila Franca de Xira.
Para o cartoonista vilafranquense Vasco Gargalo “o humor não tem limites” mas quem o faz deve traçar os seus, “perceber o que é aceitável ou não, o que tem bom gosto ou não”. Não quer isso dizer que os cartoonistas fujam a meter o dedo na ferida, até porque, defende, essa é uma das suas funções. “Temos que provocar o leitor, ser sarcásticos nos temas que estamos a tocar. Os temas tabu são os que estimulam mais a execução dos meus trabalhos”, diz a O MIRANTE sentado em frente à “Cegueira”, cartoon da sua autoria onde o antigo líder do PCP, Jerónimo de Sousa, surge com uma bengala usada por pessoas cegas e uns óculos onde o símbolo do partido o impede de ver, enquanto empurra Putin que vai sentado num tanque de guerra.
Este cartoon valeu a Gargalo algumas críticas à semelhança de outros que desenhou, como “O Crematório”, que deu azo a ameaças e acusações por ter usado um símbolo do anti-semitismo para retratar o conflito israelo-palestiniano. “Não tenho cor política nos meus cartoons e quando surge uma polémica estou lá para a agarrar. Provocar é a função do cartoon e limitar isso seria um atentado à liberdade de expressão”, defende, compreendendo que há quem possa achar as suas ilustrações ofensivas. “Tenho sempre folha branca, sou eu quem escolhe os temas nos jornais e revistas. Não tenho limites, muito menos na forma como olho o mundo. No dia em que sentir esses limites a aproximarem-se e a tentarem influenciar o meu trabalho e as minhas escolhas deixo de desenhar”, garante.
Criatividade sem limites
Cristina Sampaio, que fala a O MIRANTE junto ao “Encobrimento” - ilustração na qual retrata os abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal - refere que o seu humor “não é suave” e pode até ser “corrosivo”. Se haverá quem se ofenda com os seus desenhos? “Certamente que sim, mas também podem ser mal interpretados porque existe muita iliteracia da imagem”. O que um cartoonista faz é “exercer uma opinião através do desenho e não se pode limitar a opinião das pessoas”, vinca a cartoonista natural de Lisboa, explicando que através dos seus trabalhos dá voz a causas e a muitos dos preconceitos que a sociedade tem.
Para o engenheiro civil de profissão Pedro Silva, que se dedica ao cartoon e à caricatura desde 2013, a questão sobre os limites do humor é “muito subjectiva”, já que o que para uns tem piada para outros pode ser ofensivo, mas está nas mãos do cartoonista optar por fazer um “humor mais refinado ou mais grosseiro” quando retrata temas mais sensíveis. No seu caso, não se priva de abordar o que pode ser sensível ou controverso mas tenta colocar limites a si próprio, embora, “às vezes seja difícil parar”.
Também Cristiano Salgado considera que se trata de uma questão sensível e que lhe suscita dúvidas mas garante não impor limites a si próprio “se for para denunciar alguma injustiça, para chamar à atenção para problemas do mundo. Os cartoons não chegam a ser tão ofensivos como as coisas em si”. Entre as suas ilustrações que integram a exposição destaca a rainha de Inglaterra e o carrinho de compras cheio de produtos não essenciais à vida que pretende chamar à atenção para o “mundo capitalista e de consumo em que vivemos”.
24 edições de Cartoon Xira
A Cartoon Xira é uma mostra iniciada em 1999 que se dedica a dar visibilidade ao cartoon e aos cartoonistas portugueses. A 24ª edição, mais uma vez comissariada pelo cartoonista vilafranquense António Antunes em colaboração com a Câmara de Vila Franca de Xira, conta com a presença dos trabalhos dos cartoonistas Vasco Gargalo, André Carrilho, Cristina Sampaio, António Maia, Henrique Monteiro, Rodrigo Matos, Cristiano Salgado, Nuno Saraiva, João Fazenda, Pedro Silva e, do cartoonista brasileiro Arnaldo Angeli.