
Homem sem pernas despedido pela Junta da Póvoa de Santa Iria continua à espera de justiça
Despedimento movido pela Junta de Freguesia da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa deixou Ricardo Cupertino na miséria e a viver à custa dos pais no Forte da Casa. Diz que foi deitado fora como um trapo, depois de duas décadas a servir a comunidade. Processo arrasta-se no Tribunal Administrativo de Lisboa sem fim à vista.
Ricardo Cupertino continua a esperar sentado na cadeira de rodas em que se desloca por uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa referente ao processo de despedimento de que foi alvo, há seis anos, por parte da Junta de Freguesia da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa. O processo deu entrada no tribunal em 2019 mas desde então não tem tido grandes desenvolvimentos, à excepção da pronúncia da junta de freguesia, em 2021. Desde essa altura está para decisão. “Esta situação deixou-me na miséria e só consigo viver graças à ajuda dos meus pais. A junta de freguesia até hoje não me ligou nem bateu à minha porta a perguntar se precisava de alguma coisa. Pelo contrário, foi total desprezo”, lamenta Ricardo Cupertino a O MIRANTE.
O morador do Forte da Casa perdeu as duas pernas num acidente ferroviário em Santa Apolónia, quando tinha 17 anos. Viu as pernas serem decepadas no fosso existente entre as composições e a plataforma quando saía do comboio. Na altura trabalhava num supermercado e o caso foi considerado acidente de trabalho. Uma infelicidade que ainda hoje lhe embarga a voz e que lhe mudou a vida para sempre. Meses depois do acidente entrou na junta de freguesia, onde trabalhava na secção de contabilidade, tesouraria e orçamento. Esteve na junta durante duas décadas e devido à gravidade dos ferimentos sempre foi precisando de intervenções cirúrgicas recorrentes, que implicavam prolongados períodos de baixa. Durante 15 anos foi trabalhando a espaços, uns meses a trabalhar e outros de baixa enquanto recuperava.
Processo disciplinar por falta injustificada
A Junta de Freguesia da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, à data presidida por Jorge Ribeiro (PS), alegou que num dos momentos o trabalhador não apresentou toda a documentação que era exigida para poder ficar ausente do serviço, nomeadamente as baixas médicas, e decidiu, em reunião de executivo de 21 de Março de 2018, abrir-lhe um processo disciplinar. Ricardo Cupertino não compareceu nas audiências do processo disciplinar, alegadamente por se encontrar fora da sua residência a realizar tratamentos quando foi notificado. Por isso, em reunião da junta realizada em 19 de Dezembro de 2018, foi deliberada a sanção disciplinar de despedimento, por se entender que o comportamento do arguido inviabilizava a manutenção do vínculo de emprego público por violação do dever geral de assiduidade. Um ano depois a junta abriu um novo concurso público para contratar um trabalhador para realizar as funções que Ricardo Cupertino desempenhava.
“Só quero reaver os meus direitos. Estou muito desanimado e triste com tudo isto. Estes processos não deviam demorar tanto tempo como demoram. Meteram-me na rua como um trapo velho. Trabalhei na junta durante 26 anos na contabilidade, matei lá imenso a cabeça e as pessoas não dão valor a isso”, lamenta o queixoso, que espera que o tribunal venha a decidir por uma indemnização.
Ricardo Cupertino pede que o tribunal lhe reconheça o direito a ir para a reforma e que seja indemnizado pelo despedimento, que considera ilegal e indigno. O morador vive da pensão de invalidez e do rendimento de inserção, numa vida que diz não ser fácil e em que tem valido a ajuda do pai, Abílio. “Todo este processo é doentio. O Jorge Ribeiro, conhecendo a história dele e as dificuldades que tem, em vez de o ter despedido poderia ter colocado os papéis para ele se reformar e acabava com isto tudo. O que lhe fizeram foi desumano”, lamentou a O MIRANTE. Já a actual presidente da junta, Ana Cristina Pereira (PS) lamentava a situação notando no entanto que um trabalhador tem direitos e deveres e que este “incumpriu com alguns” desses deveres.
