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Jovem cientista de Salvaterra de Magos investiga cura para o cancro

Jovem cientista de Salvaterra de Magos investiga cura para o cancro

A tese de mestrado de Bernardo Caniço, que incidiu sobre uma bactéria que pode erradicar as células cancerígenas, alcançou um feito raro no Instituto Superior Técnico: obteve a classificação máxima, 20 valores. Na mesma altura, a mãe de Bernardo lutava contra um linfoma. Saíram ambos vencedores.

É um rapagão louro de olhos azuis, um ex-atleta federado de andebol - o Sporting tentou roubá-lo à Biologia _ que deve ter feito suspirar a maior parte das meninas da Escola Secundária de Salvaterra de Magos. Exactamente o oposto daquilo que se imagina ser um cientista brilhante: não usa óculos e nunca foi gozado pelas notas altas - o seu nome esteve sempre presente no Quadro de Excelência - antes pelo contrário. “Era um rapaz muito popular”, confessa Bernardo, de 25 anos. Não duvidamos. É ainda um prodígio em Ciências. “Desde muito cedo que me apercebi que era bom nessa área. A minha maior dificuldade era o Inglês”, conta a O MIRANTE. “Cheguei a ter explicações, mas foi através dos jogos de computador que aprendi a língua, pois queria interagir com outros jogadores online. Isso motivou-me a querer saber mais”, explica. Ainda bem, até porque as teses de mestrado no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, são apresentadas em Inglês.
“Estive muito à vontade, estava bem preparado. Estava à espera de uma boa nota, um 18 ou até mesmo um 19, mas 20 nunca pensei. Na minha área [a Microbiologia Aplicada] é raro obter a classificação máxima”, sublinha.
O gosto doce do sucesso merecido veio ainda com uma cereja no topo. É que Bernardo Caniço, nascido e criado em Salvaterra de Magos, nem sequer foi avaliado por professores seus. “Ao contrário do que costuma acontecer, fui avaliado por arguentes (docentes responsáveis por colocarem as perguntas sobre a tese) externos”. E o veredicto foi que Bernardo Caniço merecia a nota máxima.
Bernardo, um brilho de entusiasmo nos olhos claros, explica aquilo que o fez obter tão alta classificação. “Consegui, com o meu grupo de trabalho, identificar uma zona numa bactéria que produz uma proteína que só incide sobre as células cancerígenas, erradicando-as”. Este pode ser um importante contributo para se encontrar a cura para o cancro. A bactéria em causa é a zurina e nos Estados Unidos da América já passou da Fase 1, estando à espera de financiamento para se converter num medicamento viável. Este é o sonho de qualquer investigador e é também o de Bernardo. “Gostava de trabalhar na área da indústria farmacêutica, a pesquisar e a criar novos medicamentos”, revela o biólogo.

A mãe brincava e pedia-lhe para criar um medicamento para a sua doença
Desde Setembro que está mais perto desse objectivo. Faz parte de uma das equipas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, em Oeiras, e anda de novo “entretido” à volta de microrganismos. Recebeu uma Bolsa de Investigação da Faculdade de Ciências e Tecnologias e estuda agora uma bactéria que poderá ser importante, por exemplo, no combate ao envelhecimento.
Parece simples o que o Bernardo faz, e ao mesmo tempo mágico, mas existem anos de estudo e de trabalho que justificam este brilhantismo. Além de talento inato: “Nunca fui muito marrão, consigo absorver facilmente o conhecimento, mas também estudei muito”, revela. O apoio que recebeu dos pais foi também decisivo: “É fundamental estarmos bem emocionalmente”, garante o biólogo, que viu colegas seus ruírem sob a pressão do ano intensamente louco de mestrado.
No seu caso, não poderia sentir-se mais apoiado. O pai, António, é bancário e gerente de duas sucursais de um banco em Salvaterra de Magos e em Benavente, e sempre se interessou pelos estudos dos filhos (Bernardo tem uma irmã, estudou Letras e anda a viajar pelo mundo. Está actualmente na Austrália), assim como a mãe Cláudia, fã número um de Bernardo e que se debateu com um linfoma (a forma menos agressiva de cancro), enquanto o filho estudava precisamente uma forma de curar a doença.
“A minha mãe é muito positiva e brincava comigo a dizer para eu criar um medicamento para ela”, conta Bernardo. Mas a doença, que reincidiu, abalou a família, “Foi muito complicado, mas sobrevivemos e ficámos mais unidos”, frisa o investigador.

“Ciência e religião podem coexistir”

Os pais são católicos e Bernardo chegou a fazer o crisma, mas desde que chegou a Lisboa deixou de ir à igreja. “Tenho muita pena, porque gostava muito de ir. Sou cientista, mas penso que ciência e religião podem coexistir”. A última vez que assistiu a uma missa foi para apadrinhar o primo Martim, que está hoje no 12º ano, em Salvaterra de Magos, e a quem Bernardo dá explicações de Biologia. Poderá estar outro investigador brilhante a caminho...

Conheceu a namorada na escola primária

É sobretudo da família e dos amigos que o biólogo sente mais falta em Lisboa. Os pais queixam-se da ausência e Bernardo da falta de tempo, até porque trabalha e já vive com a namorada, também de Salvaterra de Magos. “Somos amigos desde a escola primária e reencontrámo-nos em Lisboa”, conta.
“É mesmo verdade que os opostos se atraem. A Sofia está a acabar o curso de História de Arte e eu sou de Ciências, mas entendemo-nos muito bem”. Namoram há quatro anos e já fazem planos para irem juntos para o estrangeiro. Porque o futuro passará sempre por um pequeno - ou enorme - salto para outro país. “Quero candidatar-me ao doutoramento, são mais quatro anos de estudo”. Mas a selecção das candidaturas é uma roleta-russa, “não depende das notas”, segundo Bernardo. O problema é sempre o mesmo: o financiamento, que não chega para todas as áreas de investigação.
“Há quem diga que atiram as candidaturas ao ar e as que caírem de determinada maneira são as escolhidas”, diz, meio a brincar, meio a sério. Bernardo gostava de ficar por cá, mas igualmente de experimentar a investigação noutro país: “É sempre bom alargamos horizontes”, justifica. Por enquanto, este investigador ainda é nosso.

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