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“Ser livre é ir para o palco sem saber o que vou dizer”

“Ser livre é ir para o palco sem saber o que vou dizer”

Sónia Lapa é actriz, artista plástica e presidente da Associação Teatral Os Revisteiros

Chegou a trabalhar em restaurantes para ter dinheiro para pagar as contas, mas nunca abandonou o sonho de seguir a sua profissão, ou melhor dizendo, a sua paixão. Ser actriz e artista plástica é a essência de uma mulher nascida em Luanda, criada em Lisboa, e que encontrou em Samora Correia o palco para viver e ser livre.

Sónia Lapa é actriz, artista plástica e presidente da Associação Teatral Os Revisteiros, sediada em Samora Coreia. De voz imponente, gargalhada contagiante e sempre a gesticular, diz que a veia artística já nasceu consigo. “Nasci com carvão na mão, toda a vida me lembro de mim a desenhar”, conta recordando os tempos de criança quando já a professora dizia que ela devia estudar Belas Artes. No liceu estudou desenho e pintura e com 21 anos finalizou o curso de teatro, no Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral (IFICT), em Lisboa.
É durante o curso que conhece Joaquim Salvador, hoje seu companheiro de vida e de profissão. É através dele que Sónia fica a conhecer Samora Correia, a cidade a que hoje chama de casa. “Convidou-me para apresentar um espectáculo e eu fui sem conhecer nada nem ninguém”, diz. Em 1991 entra para Os Revisteiros e é com este grupo de teatro que tem encantado as gentes de Samora e da região. É responsável por criar cenários, figurinos e por ajudar os actores sem formação “a subirem pela primeira vez a palco e a soltarem-se”. Tratar de burocracia aborrece-a, mas “o mais difícil é saber gerir pessoas”.
Vingar no mundo artístico em Portugal não é tarefa fácil e Sónia conhece as dificuldades do meio. Estreou-se como freelancer, aos 23 anos, a fazer figurações e publicidade, ganhando uns trocos que não chegavam para assegurar a sua independência. “Ao mesmo tempo ia trabalhando em restaurantes no Bairro Alto” e mais tarde ingressou na área do turismo, como recepcionista de hotel.
“Os actores veteranos ou morrem de fome ou abandonados na Casa do Artista”
Fez o espectáculo “A Grande Noite”, de Filipe La Féria, as telenovelas Ganância, Olhos de Água e Jardins Proibidos. Teve, ao longo da carreira, oportunidade de se cruzar com grandes nomes do teatro, alguns que acabaram no esquecimento do povo. Tudo, porque “em Portugal não há mercado para os actores profissionais, não há teatros, nem política cultural. Os actores veteranos ou morrem de fome, ou abandonados na Casa do Artista. Morrem sem que as novas gerações de actores saibam quem eles foram e o que fizeram”, afirma em tom de revolta manchado de tristeza, de quem sente que os actores profissionais são desvalorizados em troca de “pessoas giras que vão para a televisão”.
Em castings ouviu algumas vezes o ‘não’ e perdeu um trabalho porque não caiu nas garras do produtor artístico que a assediava. “Foi no Parque Mayer, quando me convocou para fazer testes de guarda-roupa. Como não correspondi no dia seguinte recebi um telegrama a dizer que estava dispensada”, conta a O MIRANTE.
Sónia Lapa preferiu seguir o seu percurso sem manchas pelo caminho que a fizessem ter vergonha de olhar para trás. Reconhece que não é fácil, pois “quem tenta afirmar-se por si próprio e pelo que vale”, nem sempre conquista o papel que ambiciona. O importante na profissão e na vida “é nunca desistir de fazer aquilo que se gosta”, um privilégio de que Sónia se orgulha. “Tudo o que faço artisticamente dá-me prazer. Tenho necessidade de estar em cima de um palco, de sentir as tábuas do chão e a minha voz a ecoar pelo teatro. Isso não se explica, só se sente”, diz.
Sónia sente as borboletas na barriga antes de subir a palco, sente “na pele o quanto custa montar um espectáculo, o que é pegar numa trincha e pintar um cenário, o que é passar noites em branco para que as coisas estejam prontas a horas, o que é estar doente e ir para cima do palco”. Isto para mim é o teatro”, diz emocionada.

“Ser livre é ir para o palco sem saber o que vou dizer”

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