Uma carta de José Augusto França para José Saramago que nasceu em Tomar no mesmo dia e no mesmo ano do Prémio Nobel da Literatura

José Saramago com populares numa das suas visitas a Azinhaga

José Augusto França levou o Memorial do Convento para a Universidade: Nesta carta, que Saramago cita nos Cadernos, dá conta dessa missiva e do facto de tanto ele como o seu amigo terem nascido fadados para trabalhar.

27 de Junho – Página 132

De José-Augusto França chega-me esta carta: “Li os seus Cadernos II numa ilha mais ou menos vizinha, a Terceira aonde fui pelo António Dacosta comemorado em festas do Espírito Santo que percorre a ilha, de Império em Império, de banda em banda, e de música em música, com pães adequados. Li e amistosamente colaboro, para sabemos (“et néanmoins amis’) a dizer-me que, tendo lido pelos ares, a caminho da Terceira (donde também não é) o 2º volume dos meus Cadernos de outro arquipélago, a alturas da página 11 (leu até à 268, que longa é a rota) se apressa a me confirmar, garantir, assegurar, pelo que sabe dessas coisas e tempos, que o Memorial é mesmo e vivamente uma obra de história, com informação necessária e certa, quanto acertam as ciências humanas. A prova é que lhe tem recomendado a leitura a estudantes seus de História de Arte para entenderem, por dentro do tempo, como Mafra foi construída; e que, há poucos anos ainda, professor convidado na Sorbonne, fez um curso de mestrado sobre o dito romance, sobre o seu imaginário também, e por assim dizer, informativo. E acrescenta amistosamente o estimável correspondente que em tal opinião persiste, e a assina ou ensina. “

Consoladora missiva, digo eu, vinda de quem de tais coisas tanto sabe. Observe-se, entretanto, como ela, a carta, se parece com uma caixa chinesa ou uma boneca russa, materiais e objectivas antepassadas da celebrada mise en abyme, porque, ou vão entrando umas nas outras como mães que sucessivamente regressassem à barriga das mães, ou umas das outras vão saindo até tomar a repovoar-se o mundo, obra de mães (de pais também) e de mãos. Foi este em verdade o caso, que ficaram as minhas mãos sopesando depois da leitura uma antiga e leal amizade, e sendo nós tão absolutamente contemporâneos (nascidos naquele mesmo dia  16 de Novembro de 1922, ele em Tomar, eu em Azinhaga), e além disso fadados para trabalhar (com abissal diferença de escalão e responsabilidade), muitos anos depois, num renomado Dicionário da Pintura Universal (onde com perplexidade e desgosto procurei e não encontrei Antonio da Crestalcore, “o melhor pintor do mundo”), não se há-de estranhar que, a partir das palavras “Recebi hoje…”, José-Augusto França escreva nestes cadernos terceiros como se directamente de mim se tratasse. Com vénia e agradecimento meus tomou-me a palavra e o espaço. Que o faça muitas vezes, e por muitos anos e bons.

Em Cadernos de Lazarote Vol. III Página 132

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