José Saramago 70 anos depois à procura da data do falecimento do seu irmão imortal

José Saramago – FOTO ARQUIVO

A carta para Luís Godinho, amigo e camarada de José Saramago, para que ajudasse a descobrir a data de falecimento do seu irmão imortal Francisco de Sousa, está registada neste texto dos diários como uma das maiores preocupações do escritor. Embora não tenha conhecido o seu irmão, a vontade de deixar registo da sua curta vida no livro As Pequenas Memórias, que era para ser chamar O Livro das Tentações, parece ser quase uma obsessão.

27 de Setembro

Talvez dê resultado, talvez a busca tenha fim. Escrevi hoje a Rui Godinho, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, meu velho amigo e camarada, a seguinte carta:   “Ando, desde há meses, às voltas com uma questão que só para mim tem importância: averiguar a data do falecimento do meu irmão Francisco de Sousa, que nasceu a 28 de Outubro de 1920, em Azinhaga, concelho da Golegã, e morreu de difteria, em Lisboa, num qualquer dia de 1923 ou 1924, ou mesmo 1925. Durante muito tempo cri que tinha falecido no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, mas, segundo informações recebidas, não só não faleceu ali, como não existe qualquer notícia da sua admissão. O misterioso do caso encontra-se no facto de não constar o averbamento do óbito no registo de nascimento. A minha família (meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade) morava, por aquelas alturas, na área do Alto do Pina e Moraes Soares, primeiro na desaparecida Quinta do Perna-de-Pau, depois na Rua Sabino de Sousa e Rua Carrilho Videira. Se, ao contrário do que sempre pensei, o meu irmão, afinal, morreu em casa, o natural é que tenha sido sepultado no Cemitério do Alto de São João. Será possível fazer-se uma busca nos arquivos da respectiva administração?

Eu sei que parecerá um trabalho com muito de gratuito (que importa agora saber a data exacta em que morreu um miúdo há mais de 70 anos?), mas o que me leva a pedir a tua ajuda tem que ver com O Livro das Tentações, onde inevitavelmente devo falar desse Francisco de Sousa de quem não me lembro: tal como estão as coisas agora, é como se eu tivesse um irmão imortal… Já não há ninguém da família a quem possa perguntar, por isso, depois da boa vontade infrutífera do Instituto Câmara Pestana, recorro à tua amizade e à tua paciência. Se, sendo embora possível vir a saber o que desejo, dá demasiado trabalho, deixa cair o assunto. De todo o modo, não se pode ressuscitar o garoto para lhe perguntar como tudo se passou…”

Em Cadernos de Lazarote Vol. IV Página 225

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