Covid-19 | 06-04-2020 10:00

Nos mercados a vida continua apesar do vírus

Nos mercados a vida continua apesar do vírus

Os mercados são dos últimos redutos de vida social nestes tempos de confinamento e de combate à Covid-19.

Há quem tenha visto o negócio cair a pique mas também há quem tenha aumentado as vendas e ganho novos clientes. As realidades são díspares nos mercados que visitámos, em Vila Franca de Xira, Santarém e Torres Novas.

Reza uma conhecida máxima que em cada crise há sempre uma oportunidade à espreita. E é isso que alguns vendedores do mercado municipal de Vila Franca de Xira podem estar a viver. Com receio de ficar com a despensa vazia e para evitar as longas filas nos hipermercados há mais clientes a procurar o recinto. Nas últimas duas semanas, a par da maior afluência, a maior parte dos comerciantes diz ter registado um aumento na quantidade de produtos vendidos por cliente, mas rejeitam que esteja a haver açambarcamentos.

“Tem vindo mais gente ao mercado e temos visto caras novas, talvez para fugirem às filas dos supermercados”, refere Maria Silva. A comerciante de frutas e legumes, de 74 anos, diz que ao final do dia de trabalho a conta não engana: os clientes “estão a levar em maiores quantidades, alho francês, batatas e laranjas, especialmente”.

Produto para vender não falta nas bancas, nem acreditam que vá faltar. A grande diferença é que agora pedem aos clientes para não se aproximarem demasiado e para não tocarem nos frescos. As mãos passaram a ser lavadas e desinfectadas entre cada cliente, mas a maioria dispensa o uso de máscara. E os motivos apresentados são variados: dificulta a respiração, embacia os óculos e há até quem ache que pode afastar a clientela.

João Lira é um dos que foge à regra e amanha o peixe de máscara posta, além de ter deixado de tocar em dinheiro. Agora, diz, é o genro, que deixou de trabalhar por causa da pandemia, quem “recebe dos clientes”.

O medo da Covid-19 também leva estes comerciantes a quererem ficar em casa, mas como aquele negócio é o seu sustento, o passo vai sendo adiado. “Se fechássemos ficávamos sem qualquer rendimento para sustentar a casa”, desabafa Luísa Rosa que gere duas bancas de peixe e frutas juntamente com o marido.

Camila Coelho prefere encarar estes tempos de pandemia como uma espécie de missão para a qual foi chamada: “Os clientes ficam satisfeitos quando saem daqui. Às vezes até fico de lágrima no olho porque me dizem obrigada por estar aqui a atender”.

Há caras novas a aparecer no mercado de Santarém

O mercado municipal de Santarém continua aberto e as vendas não param. O que sai mais é batata, peixe, pão e fruta da época. A quantidade de vendas é maior que o normal para se sair de casa menos vezes. Os vendedores afirmam que, apesar de sentirem que o negócio caiu um pouco, já estão a ver caras novas a entrar no espaço que lhes foi reservado junto à Casa do Campino desde que o mercado entrou em obras. Dizem que são pessoas que estão a fugir à confusão dos hipermercados e procuram produtos mais frescos.

É sexta-feira, 27 de Março. A manhã já vai a meio e as pessoas continuam a aparecer. É um dos dias mais fortes. O marido de uma das vendedoras está sentado ao pé da porta e vai fazendo de porteiro, chamando os clientes para entrar à medida que vão saindo outros. Pedro Suspiro, 47 anos, é um dos clientes que está na fila à espera. Não tem máscara nem luvas colocadas, mas diz que tem seguido as recomendações da Direcção-Geral de Saúde. Há muito tempo que não ia ao mercado. A mãe, de 73 anos, era cliente habitual mas, como não pode sair de casa, é ele que faz agora as compras.

Lá dentro, são poucos os clientes para evitar aglomerações. À entrada não há desinfectante nem se ouve os pregões dos vendedores. As poucas conversas que se ouvem são sobre o maldito vírus que tem matado tanta gente. Ao fundo, está uma grande imagem de Nossa Senhora com uma fotografia do mercado em baixo e outra com alguns dos vendedores.

A proprietária da imagem é Odete Caniço. Vendedora de queijos, enchidos e pães há 15 anos, vai dando uma mãozinha na peixaria e ajudando as colegas. “As coisas não estavam bem e agora estão piores”, lamenta ao nosso jornal. Não usa máscara nem luvas, mas evita estar muito perto dos clientes e desinfecta várias vezes as mãos ao longo do dia.

O mesmo faz Alexandra Silva. Equipada de máscara, a vendedora de legumes e frutas, de 42 anos, diz que só não tem luvas colocadas naquele dia porque esgotou as que tinha ali na banca, mas espera já ter no dia seguinte. A vendedora tem feito negócio de tudo um pouco e diz que as pessoas estão a comprar maiores quantidades. Também faz entregas ao domicílio.

Enquanto Alexandra vai descascando favas, Francisco Silva, 60 anos, não tem mãos a medir. Há cinco anos a vender peixe no mercado, Francisco admite que tem tido dias melhores e piores. Nota que os clientes são sobretudo os do costume, mas também que muitos dos mais idosos já não aparecem por estarem resguardados. “Claro que tenho receio. Vai ser o que Deus quiser”, diz.

Desespero no mercado de Torres Novas

No mercado de Torres Novas o cenário é mais cinzento. Margarida Gomes é o rosto do desespero de quem depende das vendas que faz na banca de fruta e legumes que tem há 40 anos. Tem 60 anos e, garante, se isto continuar está na altura de abandonar o barco. E não é para menos. O entra e sai de clientes é espaçado no tempo e, no máximo, durante um bom período da manhã, não entraram mais de 10 pessoas para comprar pão ou meia dúzia de frescos.

Tânia Galvão é cliente assídua do mercado torrejano e diz que nunca viu o mercado assim. Tânia é feirante e viu suspensa a sua vida pois todas as feiras foram canceladas. “Tenho dois filhos, não sei como vai ser quando isto tudo passar, estou com muito medo do que aí vem”, refere.

Ainda assim, é a banca de Margarida Gomes a que mais afluência tem. Até porque não há concorrência directa já que a outra vendedora de frutas e legumes preferiu levar a sério a quarentena. Vão valendo as encomendas que os clientes fazem pelo telefone e que vai aviando, entre suspiros nervosos. “Isto nem parece real, nem é preciso falar, olhe à sua volta. É isto que levo para casa ao fim do dia: uma mão cheia de nada”, diz apontando para um mercado cheio de condições, mas vazio.

Neste momento são apenas três as vendedoras em actividade no mercado torrejano. Além de Margarida Gomes, a banca de pão e bolos ainda tem alguma procura, já os queijos nem tanta. Rita Brito funcionária da banca do pão também viu as vendas caírem a pique. “É um entra e sai de duas ou três pessoas e pouco mais”, refere.

No talho de Ricardo Neves, há 10 anos aberto junto a uma das entradas do mercado, nem durante os tempos da crise financeira as vendas caíram tanto. Os clientes fiéis não deixam de comprar. O comerciante teve que adaptar-se à realidade, atendendo encomendas por telefone que os clientes vão buscar. “Entram, pagam e saem à pressa”, para evitar fazer fila e não estarem na rua muito tempo. Não consegue estabelecer uma média diária de clientes, mas diz que já passou por dias em que atendeu apenas dois.

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