O MIRANTE dos Leitores | 30-09-2022 17:17

Ensinar ou entreter?

Júlia Bernardino

Um novo ano letivo começou e é notório, uma vez mais, o envelhecimento de toda uma classe profissional que deveria ir sendo renovada, ano letivo após ano letivo, mas que devido às políticas tidas pelos vários governos encontrou grandes entraves a essa renovação.

Cada vez há menos jovens licenciados com habilitações para o ensino. 

As políticas dos vários governos assim o ditaram, e os jovens que foram emergindo das universidades viram os estágios remunerados a serem extintos, bem como as chamadas profissionalizações em serviço. E aquele amor que um dia um Primeiro-Ministro Português declarou sentir pelo ensino, foi-se desvanecendo, até que desapareceu, ficando dele apenas a memória de umas palavras ditas, de forma tão eloquente e tão cedo lançadas ao vento.

Parece que voltamos atrás no tempo! Retrocedemos 4 décadas!

Num tempo em que a capacitação e a literacia digitais assolam todos os lares e todas os cantos da sociedade, desvalorizam-se os saberes próprios de certas profissões.

Parece que voltamos aos tempos imediatamente após o 25 de abril, onde nas escolas a matemática era lecionada não por professores habilitados para a docência, mas maioritariamente por engenheiros ou arquitetos, ou jovens provenientes de uma qualquer licenciatura com alguns conhecimentos em matemática, mas que logo fugiam do ensino público, mal vislumbravam no horizonte uma oportunidade noutra área que não a docência!

É que a tarefa de ensinar não é fácil! Numa primeira instância, pode pensar-se que sim, pois todos nós já fomos alunos e vimos como se faz… Mas não! Além dos saberes próprios, específicos da sua área, um Professor, com habilitação para tal, ou seja, com licenciatura ou mestrado na vertente educacional e profissionalização, tem todos os outros saberes inerentes à profissão: a didáctica, a pedagogia e a psicologia educacional.

Não somos Médicos só porque vamos a uma consulta de medicina interna ou de clínica geral; nem Enfermeiros porque sabemos colocar um penso rápido numa ferida! Da mesma forma, também não somos todos Professores, apenas porque um dia fomos alunos!

Os pais querem que os seus filhos aprendam, que sejam ensinados a aplicar os conhecimentos que lhes são transmitidos e a emitirem as suas opiniões, apoiadas nos saberes que interiorizam, exploram e depois tornam seus. Certamente que toda a sociedade também quererá o mesmo para os jovens que futuramente, num futuro muito próximo, decidirão o rumo do nosso país e os destinos dos portugueses. 

É urgente que os políticos olhem para a escola pública como um espaço de aprendizagens e partilhas, e não de entretenimento de massas. É urgente que se criem condições para que os jovens que estão nas universidades queiram abraçar a docência e não deixar que esta profissão volte a ser vista como “o caixote do lixo das profissões”, realidade cruel e nada heróica para um pais como o nosso que se lançou nas descobertas e conquistou meio mundo, numa era dourada da história de Portugal.

Como será o futuro de Portugal quando as aulas forem apenas espaços de entretenimento de crianças e jovens, por já não haver quem queira no nosso país lecionar? Como se formarão os futuros médicos, enfermeiros, juízes e todos os restantes profissionais das várias carreiras, se não houver nos primórdios da sua educação escolar um professor dotado de todos os saberes, específicos e transversais, inerentes à sua profissão?

Parece-me que há um pilar de base da sociedade portuguesa que no preciso momento já estremece, e que se encontra prestes a ruir… Tomara seja apenas uma sensação e que não se torne em realidade…

Julia Bernardino

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