Cultura | 24-05-2020 12:30

Cineasta Margarida Cardoso diz que adora sentir-se ribatejana

Cineasta Margarida Cardoso diz que adora sentir-se ribatejana

Margarida Cardoso é cineasta e muitos dos seus filmes estão relacionados com a Guerra Colonial. Nasceu em Tomar mas tem ligação a outros lugares do Ribatejo, como Almeirim e Dornes.

Margarida Cardoso, 56 anos, nasceu em Tomar mas foi viver para Moçambique com dois anos uma vez que o pai era militar da Força Aérea e foi destacado. Viveu em África cerca de dez anos e ficou marcada pelo absurdo da guerra. Muitos dos seus filmes foram premiados e continuam a ser exibidos um pouco por todo o mundo. É professora universitária e confessa não conseguir abdicar das suas paixões: o cinema e o ensino. Algumas das suas melhores memórias de infância foram passadas em Almeirim, onde apanhava boleia de carroça com a irmã e os primos para se refrescarem num tanque. É apaixonada por Dornes, uma aldeia “idílica” à beira da albufeira do Castelo do Bode, perto de Ferreira do Zêzere, onde gosta de recarregar baterias todos os meses.


Um dos próximos projectos da cineasta Margarida Cardoso já tem história alinhavada, é baseada em factos reais e vai ter como pano de fundo as paisagens do Ribatejo. Apesar de viver em Lisboa há muitos anos nunca esqueceu as raízes e diz sentir-se muito ligada à região. Adora contemplar a lezíria e a charneca e ouvir o sotaque ribatejano. Só não é adepta da tauromaquia, espectáculo que não aprecia por não concordar com qualquer tipo de violência contra animais.


“Nunca vou esquecer o trepidar das rodas da carroça nas ruas de pedras em Almeirim. Íamos muitas vezes aos morangueiros e adorava sentir aquela areia fininha nos pés. No Verão, à noite, levavam-nos às Portas-do-Sol e contavam-nos histórias. Algumas das minhas melhores memórias da adolescência foram passadas em Almeirim”, recorda. Os seus pais assentaram arraiais no Casal dos Pintainhos, perto de Tancos. A sua vida foi sempre perto da base aérea de Tancos onde o pai trabalhava. Mais tarde mudaram-se para o Entroncamento.


Há cerca de dez anos conheceu Dornes por causa de um filme e estreitou laços com aquele local banhado pelo rio Zêzere. Antes da pandemia todos os meses ia lá passar um fim-de-semana. Quando tudo voltar ao normal pretende regressar para tomar banho no rio e sentir a paz que diz encontrar. “Aquilo é o paraíso”, descreve.

“Não há nada mais triste do que ter um filme fechado numa gaveta”

Desde criança que Margarida gosta de escrever. Foi isso que a levou, aos 15 anos, a estudar na Escola António Arroio, em Lisboa. Como a irmã mais velha também já estudava em Lisboa os pais mudaram-se para a capital, onde ainda hoje vivem. Margarida já gostava de cinema mas a paixão surgiu durante as aulas de Francês. A professora levava os alunos para um cinema da cidade. “Adorava aqueles filmes, muitos deles franceses. A partir daí decidi que era o que queria fazer profissionalmente”, conta a O MIRANTE.


Começou a trabalhar em cinema aos 18 anos e um ano mais tarde foi para França. Ficou lá durante sete anos até que um dia foi filmar para Macau com o cineasta Luís Filipe Rocha e no final regressou a Portugal. Autora de vários filmes, dos quais se destaca “A Costa dos Murmúrios”, que estreou no Festival de Veneza, em 2004, recebeu a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique em 2005. “O maior significado dessa distinção foi tê-la recebido das mãos do Presidente Jorge Sampaio, que considero uma pessoa excepcional e por quem sempre tive muito apreço”, afirma.


A cineasta considera que mais importante que os prémios que recebeu é saber que ainda hoje os seus filmes são projectados em várias partes do mundo. “Tenho filmes que são projectados pelo menos três vezes por mês pelo mundo. Isso é o mais recompensador. Não há nada mais triste do que ter um filme fechado numa gaveta”, confessa.

“Faz falta educação cultural, que deve começar na infância”

Além de cineasta, Margarida Cardoso é professora universitária. Dá aulas no curso de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia, na Universidade Lusófona, em Lisboa e na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. Integra ainda o conselho académico de um mestrado internacional, o que a obriga a viajar com regularidade para a Bélgica e Hungria.


O confinamento provocado pela pandemia da Covid-19 obrigou a cineasta a desacelerar a sua actividade profissional. “Adoro estar em casa e por isso o isolamento não me tem feito confusão. Aproveito para descansar da agitação em que andava”, refere. Apenas sente falta dos pais e da família. Dá aulas dois dias por semana e nos outros dias dedica-se aos projectos de cinema. Solteira e sem filhos, nos tempos livres gosta de plantar no seu terraço.


Margarida Cardoso defende ser possível viver só do cinema e da cultura em Portugal. Para isso é preciso ter determinação e espírito de sacrifício para abdicar de algumas coisas na vida e dedicar-se de corpo e alma ao cinema. O problema da falta de apoios do Estado para a cultura não tem solução. Somos um país pequeno com muita falta de recursos próprios. Diz ainda que Portugal não tem falta de filmes, mas sim falta de espectadores que se interessem por filmes portugueses, que têm muita qualidade. “Faz falta uma boa educação cultural no nosso país, que deve começar na infância”, realça.

Guerra Colonial marcou cineasta e inspirou-a a produzir vários filmes sobre o tema

Margarida Cardoso viveu a infância em Moçambique e não esconde que esses anos a marcaram. De tal forma que vários dos seus filmes falam da guerra, que considera absurda. A vida dos militares também era absurda, recorda contando uma história de um jantar de amigos ter acabado com um homem aos tiros à mulher e para o tecto da casa. “A minha mãe protegeu-nos e com muita calma tirou-nos dali, mas sentíamos sempre uma tensão muito grande. Não só naquele jantar mas no dia-a-dia”, recorda.


Depois de mostrar como a guerra estava presente na vida de todos os que viviam em Moçambique, embora longe das balas, Margarida Cardoso contou que depois do 25 de Abril regressou várias vezes a Moçambique. “Natal 71” foi o primeiro documentário que produziu só com o seu pai, onde fala da guerra e como a sua consciência foi mudando. “Kuxa Kanema – O Nascimento do Cinema”, “A Costa dos Murmúrios” e “Yvone Kane” são outras obras que ainda hoje se mantêm actuais e produzidas em resultado da sua vivência em África.


Apesar da tensão provocada pela guerra Margarida Cardoso também foi feliz nas três cidades onde viveu: Lourenço Marques (actual Maputo), Beira e Nampula. Vivia em frente à praia e era para lá que ia todas as manhãs antes da escola. A maneira de viver era mais livre. Moçambique era uma colónia muito influenciada pela África do Sul, onde as mulheres usavam roupas coloridas, mini-saias e calções. Nessa altura em Portugal a maioria das mulheres vestiam de preto e usavam lenços na cabeça.

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