Cultura | 16-03-2023 15:41

“Serração das Velhas" é uma festividade em Ortiga

“Serração das Velhas" é uma festividade em Ortiga
Cutura/ tradição

Em Ortiga a “Serração das Velhas” adquire na sua plenitude, até pela forte envolvência da comunidade, uma nobre perspectiva de Hino à Vida, pois toda a função aponta para, em festa, se Celebrar a Vida e tal acontece todos os anos na noite da quarta-feira, das sete que constituem o período da Quaresma.

A “Serração das Velhas” é manifestação popular do período quaresmal que, desde há muitos séculos, teve e ainda tem lugar de destaque no seio de diversas comunidades tanto em território nacional como em alguns países da Europa e no Brasil.
São diversas as leituras interpretativas feitas por insignes investigadores nacionais, como Ernesto Veiga de Oliveira e Aurélio Lopes e estrangeiros, merecendo de entre estes o brasileiro Luís da Câmara Cascudo, uma referência especial pelos excelentes trabalhos realizados sobre o sentido desta tradicional manifestação popular.
Nuns casos a “Velha” é-nos apresentada, em abstracto, simbolizando a imagem negra do Inverno prestes a findar. Noutras comunidades, são as “Velhas”, em concreto e devido ao seu mau carácter, escolhidas pelos membros que a constituem para as achincalhar e vilipendiar, fazendo-lhes lembrar o quão próximo estão da morte. Enfim, apoucar numa perspectiva de ajuste de contas, em função do modo de ser pouco sociável ou por qualquer outro motivo imputado à “Velha”, pela respectiva comunidade local. Bastas vezes, tais situações geram, como é natural, reacções menos positivas e até agressivas por parte da “Velha serrada” ou de quem com ela coabita.

Em Ortiga, bem pelo contrário, a “Serração das Velhas” adquire na sua plenitude, até pela forte envolvência da comunidade, uma nobre perspectiva de Hino à Vida, pois toda a função aponta para, em festa, se Celebrar a Vida e tal acontece todos os anos na noite da quarta-feira, das sete que constituem o período da Quaresma.
Desconhecendo-se a sua origem no tempo, mas secular, consiste a tradição na prática de ritual dirigido a cada uma das mulheres que adquiriu ou viu reforçada a sua condição de avó, no decurso do tempo que mediou entre a Serração das Velhas do ano anterior e a presente, tendo por esse facto obtido a condição de “Velha a Serrar”.
No passado dia 15 de Março, viveu-se essa noite da quarta quarta-feira da Quaresma, com imensa alegria por toda a comunidade e foram serradas seis “Velhas”.
O ritual contempla dois momentos. Num primeiro momento, todo o grupo de cerca de uma vintena de elementos, constituído unicamente por elementos do sexo masculino, simula, teatralizando na rua, frente à residência da “Velha” , o ato de serrar uma árvore, com o som a ser produzido por uma “serra”, feita de madeira,
actuando sobre um “cortiço”, dos utilizados como colmeia, artefacto este de cortiça, já se vê e que devido à sua forma, aumenta o som produzido e no silêncio da noite lhe dá aquela profunda sonoridade que toca a alma de qualquer Ser Humano.
Logo de seguida, os elementos do grupo declamam os versos concebidos para o efeito dirigidos à “Velha” avó, envolvendo bastas vezes também o avô e com referências directas à felicidade que se deseja venha a privilegiar o neto ou a neta ao longo da Vida.
Termina este ato, com o forte som da “serra” sobre o cortiço e uma tremenda ladainha de lamentos e choro interpretada por todos os elementos do grupo, em função da velhice dos avós, mas em manifesto ambiente de festa, pela Renovação da Vida a que os mesmos deram origem.
Tudo isto acontece sem que da casa, a cuja ocupante se dirigem, venha qualquer som ou luz.

Terminada a ladainha , então sim, os ocupantes da casa ligam a(s) luz(es), saúdam todo o grupo, abrem a porta para que todos entrem e acedam à partilha dos petiscos previamente colocados na mesa e assim tem início o segundo momento.

Este segundo momento é de alegre convívio e um excelente reforço do espírito de corpo que caracteriza a comunidade Ortiguense. Cada uma das “Velhas” serradas põe a mesa de acordo com as suas possibilidades. Todos isso respeitam e agradecem individualmente, na despedida.

Trata-se de uma tradição que toca a todas por igual, independentemente da sua condição social, económica ou ideológica e quão Feliz é a postura da Velha Serrada, no decurso de toda a acção!

Para memória futura, como prova da realização do ritual e de presença, é deixada a “serra” utilizada na “Serração da Velha”, assinada por todos os elementos do grupo e documento escrito com as Quadras declamadas dirigidas ao neto ou à neta e a Cantoria, esta composta pelas quadras dirigidas aos avós.

Joao de Matos Filipe

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