Vale de Figueira quer reforçar ligação aos rios
Secção de TT de O Alvitejo, colectividade de Vale de Figueira, no concelho de Santarém, organizou a segunda edição do Festival do Peixe do Rio e Petiscos que serviu mais de 240 quilos de fataça durante dois dias. A iniciativa serviu também para relembrar os tempos em que os avieiros faziam vida da pesca nos rios Alviela e Tejo.
Carlos Lourenço, 69 anos, nasceu dentro de um barco na comunidade avieira que existia na freguesia de Vale de Figueira, concelho de Santarém. A mãe, natural da praia de Pedrógão, em Leiria, veio viver para Vale de Figueira onde conheceu o pai. Aos seis anos já Carlos Lourenço, conhecido por Cagaréu, ia com o pai pescar nos rios Tejo e Alviela. Até aos 19 anos viveu numa casa avieira. No Inverno, às 06h00 já andava a puxar redes de pesca. E ia ajudar o pai assim que chegava da escola.
A vida era dura mas Carlos Lourenço sempre gostou de pescar. Só o deixou de fazer há cerca de cinco anos por causa de um acidente vascular cerebral que lhe afectou o braço e perna esquerdos. Reformado, foi canalizador da Câmara de Santarém e da empresa municipal Águas de Santarém. Os tempos livres eram passados junto ao rio a pescar. Saía de manhã e regressava a casa ao final da tarde. O silêncio da pesca ajudava a esquecer todas as preocupações e problemas. Carlos Lourenço recorda que quando começou a pescar havia muitas fataça, barbo, boga, carpa e sável. “Hoje se pusermos 30 redes de pesca e se aparecer uma enguia é muito bom. A enguia é cada vez mais escassa no Tejo e no Alviela. Não só por causa das espécies invasoras mas também devido à poluição. A poluição fez desaparecer o achigã e o ruivaco. Apareceram o siluro e o lúcio-perca. São espécies invasoras mas são boas para comer”, afirma.
O antigo pescador acredita que no espaço de duas décadas a tendência é para deixar de haver peixe tanto no rio Tejo como no rio Alviela e também teme que o Tejo se transforme num ribeiro. “O Alviela no Verão praticamente seca. Não prevejo um grande futuro para a pesca. A tendência é isto acabar porque não há água e por isso deixa de haver peixes no rio”, realça, lamentando já não poder pescar.
Peixe do rio é mote para um festival que se quer consolidar
A secção de TT (todo-o-terreno) do Centro Cultural e Desportivo O Alvitejo organizou o ano passado, pela primeira, o Festival do Peixe do Rio e Petiscos que foi um sucesso. Este ano, a segunda edição do festival, que decorreu nas imediações da sede da colectividade, junto ao campo desportivo, superou todas as expectativas e foram servidas 560 refeições durante dois dias e mais de 240 quilos de fataça. Nuno Carriço faz parte da secção de TT e explicou a O MIRANTE que o evento foi criado com o intuito de dinamizar a aldeia que está muito ligada aos rios, já que não é muito longe dali que o Alviela desagua no Tejo. “Financeiramente não ganhamos praticamente nada com o festival mas damos vida à aldeia e as pessoas de cá gostam desta animação e de receber as pessoas de fora”, garante Nuno Carriço.
Junto à máquina com serra eléctrica está Helena Amaro, 50 anos. A seu lado encontra-se Lurdes Marcelino, da mesma idade. Estão a cortar peixe às postas que são depois colocadas numa grade, protegida com papel, onde o peixe fica a ganhar sabor com o tempero. José Nunes, que diz ser o braço-direito das cozinheiras, corta cebolas e batatas que estão dentro de água numa panela gigante. Os cozinheiros chegam mais cedo, a meio da tarde, para preparar tudo de modo a que as refeições possam começar a ser servidas a partir das 19h00.
As mesas já estão postas protegidas do sol e aguardam as centenas de visitantes que passaram pelo festival durante os dias 16 e 17 de Junho. Cerca de 40 voluntários, todos de Vale de Figueira, ajudam no que é preciso para que nada falte nas refeições do certame. “Venho ajudar porque gosto muito dos elementos da direcção e o meu marido também faz parte da secção de TT apesar de eu não gostar nada que ele ande nas motas. Mas é a paixão dele, e a minha filha também já gosta, não posso fazer nada, tenho que aceitar”, conta com um sorriso.
A principal refeição é fataça frita mas, segundo explicou Helena Amaro, também escalaram peixe para grelhar na brasa e as cabeças do peixe serviram para as sopas. Os voluntários trabalharam muito durante o fim-de-semana mas garantem que vale a pena porque a festa é importante para a aldeia. Nuno Carriço recorda que antigamente existia o chamado trilho dos avieiros que entretanto desapareceu com o crescimento do matagal. Os responsáveis do TT limparam o caminho e reabriram-no. “Voltaram a fazer-se caminhadas por esse trilho e as pessoas ficaram muito contentes por terem novamente o caminho dos avieiros para poderem percorrer”, conta Nuno Carriço.