Alves Redol: disruptivo até na hora da morte
Centenas de pessoas acompanharam o funeral do escritor Alves Redol, nome maior do neo-realismo português.
A PIDE não conseguiu impedir que as ruas de Vila Franca de Xira enchessem para acompanhar as cerimónias fúnebres. Escritores como Urbano Tavares Rodrigues ou Ary dos Santos estiveram presentes, assim como jornalistas, artistas, movimento associativo e operários fabris. O falecimento do escritor está agora relatado na revista Nova Síntese.
A grandiosidade do escritor Alves Redol fez-se sentir até na hora da morte, a 29 de Novembro de 1969, em plena Primavera Marcelista. No seu funeral estiveram presentes figuras sonantes da vida cultural e social do país. Escritores como Urbano Tavares Rodrigues, Baptista-Bastos e Ary dos Santos acompanharam o momento e nem a PIDE conseguiu travar o mar de gente. A urna foi levada em ombros por varinos de Vila Franca, pescadores da Nazaré e operários das fábricas de Alhandra e Alverca do Ribatejo.
A urna de Alves Redol saiu da sede do União Desportiva Vilafranquense (UDV) e fez o trajecto mais longo possível. Do lado direito da urna António Pedro, Álvaro Pato e José Luís Vidal, da secção cultural da UDV, percorreram os 1250 metros de cortejo que se quis o mais longo possível. Do lado esquerdo iam Orlando Duarte e Victor Dias, entre muitos outros jornalistas, familiares e amigos. A morte do escritor foi capa nos jornais vespertinos e matutinos de todo o país.
O falecimento e o funeral de Alves Redol foram objecto de investigação e de recolha de testemunhos por parte do professor de história na Escola Reynaldo dos Santos e investigador da história local, José Costa. Este episódio foi publicado no caderno Nova Síntese, ilustrando a popularidade que o escritor tinha na época, e o impacto que as suas obras tiveram na população portuguesa. A obra foi apresentada ao público no dia 23 de Setembro no Museu do Neo-Realismo e foi promovida pela Associação Promotora do Museu (APMNR).
Na ocasião o filho do escritor, António Mota Redol, em representação da APMNR, lamentou que hoje Alves Redol seja ignorado e atacado, mas no dia da sua morte todos estiveram presentes no velório na Casa da Imprensa e no funeral, considerado um dos maiores já realizados na outrora vila de Vila Franca de Xira.
Alves Redol foi muito mais do que um escritor, foi um cidadão com uma actividade única até à sua morte. José Costa recordou na sessão a sua ligação ao desporto, com a organização de torneios de futebol, e até a direcção de um jornal desportivo que ainda contou com dez números. Com forte participação no movimento associativo, Redol sempre acreditou na educação e cultura como forma de transformar a sociedade.
Nova classe operária
A segunda parte da obra é dedicada às origens do Partido Comunista Português (PCP) no concelho de Vila Franca de Xira. Os textos e as entrevistas reproduzidos no livro fazem parte de um trabalho originalmente apresentado em 1984 por um grupo de alunos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, da qual Luís Capucha faz parte. “Quando em 2021 fui revisitar este trabalho achei piada. É um trabalho de estudantes não profissionais mas que tem informação que não está em mais lado nenhum”, disse Luís Capucha na apresentação da obra.
Alves Redol e António Dias Lourenço foram alguns dos que participaram nas entrevistas e que deram o seu testemunho. Nas origens do partido em Vila Franca de Xira está uma nova classe operária, diferente dos operários do Barreiro, e que emergiu com o surgimento das primeiras fábricas da zona.
As condições de vida que tinham eram muito difíceis mas o trabalho era mais disciplinado o que permitiu que a rede de trabalho clandestina criada fosse mais eficaz. Inclusive foram criadas células do PCP nas várias localidades o que possibilitou novas condições para a luta política em Portugal.
“No café Flôr do Tejo ainda lá está o alçapão onde eram guardados os jornais Avante que eram distribuídos por todo o Ribatejo. O Comité Central montou aqui em Vila Franca as acções populares mais importantes que lutaram contra o fascismo. Havia reuniões no meio da Lezíria em que os participantes eram conduzidos na escuridão pelos campinos”, conta Luís Capucha.
O comunicado de pesar do Vilafranquense
Aos 87 anos, Luís Ferreira, recorda bem aquele dia. Na altura era um jovem que fazia parte da secção cultural do União Desportiva Vilafranquense e acompanhou na tipografia a impressão do comunicado do clube sobre a morte do seu dirigente. As primeiras impressões foram distribuídas primeiro em Santarém e Alenquer e só as segundas é que foram distribuídas porta a porta em Vila Franca de Xira.
O comunicado do UDV convidava a população a acompanhar os momentos fúnebres. “É um companheiro que cai. Um companheiro que serviu o seu povo, escrevendo livros, ajudando os homens do seu país a acreditarem que nem sempre os dias hão-de ser tristes e cinzentos e que nem sempre a vida será resignada e sem esperança”, pode ler-se no comunicado.