Serra de Santo António regressou ao passado para apanhar azeitona e recuperar memórias
Participantes da “Oficina do Azeite” apanharam a azeitona à maneira antiga, almoçaram no olival e assistiram à transformação em azeite.
As fornadas de pão quente, o jantar da adiafa e a actuação de ranchos folclóricos fizeram parte de uma iniciativa que pretende preservar a memória colectiva e dar a conhecer as tradições.
A primeira edição da “Oficina do Azeite”, organizada pela Junta de Freguesia da Serra de Santo António, em Alcanena, decorreu a 21 de Outubro e levou os participantes a regressar ao passado, revivendo as tradições antigas da apanha da azeitona, da transformação em azeite e das refeições e convívios da população nesses tempos. O objectivo foi preservar a memória colectiva e dar a conhecer a tradição às gerações mais novas para que não desapareçam. “Se não soubermos de onde vimos dificilmente sabemos para onde vamos”, sublinha Eurico Justo, presidente da Junta de Freguesia da Serra de Santo António.
O dia começou às sete da manhã com um pequeno-almoço tradicional no salão paroquial composto por café, pão quente cozido no forno a lenha, queijo, azeitonas e merendeiras (broas) para retratar as refeições de antigamente numa zona rural e pobre. Os burros começaram a ser aparelhados com a carroça e as albardas para levarem alguns dos utensílios para o olival; o rancho seguiu a pé com mais utensílios às costas, pelas 8h30. Antigamente toda a azeitona no chão era apanhada devido ao nível elevado de pobreza que obrigava a aproveitar todo o fruto. De seguida, foram dispostos pequenos panos debaixo das oliveiras numa sequência lógica para que a azeitona ficasse toda num único pano.
A apanha da azeitona era toda feita à mão, uma técnica designada por rapinhar, que consiste em abraçar o ramo à mão e puxar o fruto, explica um dos participantes a O MIRANTE. Os utensílios que possuíam eram apenas escadas, cestas em vime e verga e uma vara para varejar apenas alguma ponta inacessível pois acreditava-se que varejar enfraquecia e ofendia as árvores. A separação das azeitonas e das folhas fazia-se com pequenos crivos, acrescenta.
Ao meio-dia os participantes degustaram o típico “almoço seco” no olival, preparado numa fogueira no campo onde assaram toucinho e chouriça, que comeram com pão, queijo, azeitona, frutos secos, sobretudo nozes e figos, e café. A alegria dos participantes, trajados a rigor num ambiente festivo, deu asas a muitas conversas e partilhas de histórias sobre os tempos antigos.
A lagaragem
Durante a manhã foram colhidos cerca de 180 quilos de azeitona que foi levada para um lagar semi-tradicional, onde os participantes tiveram a oportunidade de assistir à lagaragem. O processo começou com a azeitona a ser transportada até ao moinho eléctrico onde foi moída e esmagada, ao contrário de antigamente, em que eram utilizadas galgas para pisar a azeitona. A massa foi batida e colocado nos capachos que foram prensados para libertar a água e o azeite para os depósitos, onde ficam em repouso até que o azeite venha à superfície para ser recolhido e engarrafado. A transformação da azeitona resultou em cerca de 70 litros de azeite. Durante o processo, que demorou cerca de três horas, os participantes conviveram, trocaram experiências, falaram do orgulho que sentiam em viver na Serra de Santo António, comeram pão com carne, beberam vinho e provaram o azeite. O convívio continuou no salão paroquial onde as mulheres da aldeia amassaram e cozeram pão no forno a lenha ao longo do dia. A iniciativa contou ainda com uma prova de azeites trazidos por um especialista de quatro regiões diferentes e de espécies de oliveiras distintas, com o intuito de comparar e conhecer azeites diferentes. O especialista provou também azeites produzidos por pessoas da Serra de Santo António para dar a sua opinião.
No fim de um dia duro de trabalho os trabalhadores naquela época precisavam de comer uma sopa consistente para repor energias. Realizou-se, assim, o jantar da adiafa com uma sopa serrana, feita com batata, couve e feijão, e uma sopa de abóbora, para mais de 240 inscritos que quiseram festejar a tradição uma vez que a azeitona e a lagaragem foram limitadas a quatro dezenas de participantes. O bacalhau assado com batatas regadas com o azeite produzido e um vinho a acompanhar também era tradição sobretudo nos lagares. O dia terminou com a actuação do rancho “Os Azeitoneiros”, uma versão infanto-juvenil de um rancho da década de 80 que se extinguiu, e do rancho folclórico e grupo de jogo do pau da Casa do Povo do Espinheiro. Durante o período em que decorria a azeitonada na Serra de Santo António existiam bailes diariamente onde cantavam e dançavam para alegrar os dias árduos dos trabalhadores.