Na Moçarria recupera-se a tradição de trabalhar o bunho e produzir pão de barbela
A Junta de Freguesia da Moçarria organizou, com o apoio da Câmara de Santarém, a primeira edição do Festival do Bunho e do Pão de Barbela. O objectivo foi dar a conhecer artes e ofícios que já foram muito populares e entretanto caíram em desuso. Dois autarcas estão na linha da frente pela preservação e promoção desses saberes ancestrais.
São várias horas durante alguns dias até Dário Santos conseguir construir uma cadeira feita de bunho. É preciso cortar e apanhar o bunho, uma planta que cresce em solos com água, sobretudo em pauis de água limpa. Deixa-se a secar cerca de duas semanas, com o cuidado de o virar. A planta é trabalhada sempre molhada e é apanhada entre Junho e Agosto. É considerada, a nível ambiental, uma planta purificadora dos meios aquáticos. O consultor imobiliário, que também é presidente da Junta de Freguesia da Moçarria, é um dos três artesãos do concelho de Santarém e únicos no país a produzirem mobiliário feito só de bunho. No norte do país existem alguns artesãos que também trabalham com bunho mas especialistas em construir esteiras.
Dário Santos conta a O MIRANTE que decidiu aprender a trabalhar o bunho depois de saber que havia apenas dois artesãos no concelho, ambos com mais de 60 anos. “Queremos recuperar esta tradição que remonta há cerca de dois séculos quando o mobiliário das casas era todo feito em bunho. A arte caiu em desuso e estamos agora a recuperar e queremos passar os ensinamentos às gerações vindouras”, explica, sublinhando que é uma arte trabalhosa e difícil sobretudo a rodar o bunho, o que já lhe valeu calos nas mãos.
A Junta de Freguesia da Moçarria organizou, com o apoio da Câmara de Santarém, há cerca de um mês, a primeira edição do Festival do Bunho e do Pão de Barbela. O objectivo foi dar a conhecer dois produtos que já foram muito populares mas caíram em desuso. Durante três dias o festival acolheu diversas sessões para crianças, jovens e adultos sobre a arte de trabalhar o bunho e o pão de barbela tendo superado as expectativas.
Um trigo muito resistente e sem glúten
Ricardo Lourenço cultiva trigo de barbela há cerca de cinco anos. O trabalhador do ramo automóvel e secretário da Junta da Moçarria explica a O MIRANTE que apostou na produção do pão de barbela por saber que nos anos 30 do século XX as várias padarias da freguesia abasteciam a cidade de Santarém com pão de barbela. A barbela é um trigo e tem este nome porque a espiga do trigo tem barbelas muito grandes, maiores do que o normal, o que faz com que impeça que os pássaros comam as sementes. “É uma semente ancestral que nunca foi geneticamente modificada. Os registos dizem que foi trazida para o nosso país pelos árabes. É um trigo muito resistente que se consegue cultivar em todos os terrenos e como tem a raiz vertical vai buscar nutrientes que estão mais profundos na terra”, conta Ricardo Lourenço.
O secretário da junta refere que o trigo de barbela deixou de ser produtivo após a segunda guerra mundial, quando se introduziu outro tipo de farinha, com mais glúten, o que torna o pão maior. Como o trigo de barbela é baixo em glúten não cresce muito. Uma seara normal de trigo com glúten pode produzir entre cinco a seis toneladas enquanto a barbela produz no máximo duas toneladas. A vantagem é que não precisa de fertilizantes nem herbicidas e 150 gramas deste pão equivale ao consumo de um ovo.
O trigo de barbela é apanhado em Julho e Agosto, limpa-se, selecciona-se, armazena-se e vai-se produzindo ao longo do ano. Ricardo Lourenço sublinha que é importante que a moagem seja feita num moinho de pedra. “Esta moagem é mais lenta, não aquece tanto a farinha e conserva mais nutrientes do que se fosse na moagem industrial. A semente de barbela só não desapareceu graças a um senhor, que é o chamado guardião das sementes, que vive na zona Oeste e as guardou. Foi lá que fui buscar as sementes”, explica, acrescentando que incluíram a barbela no festival para darem a conhecer este trigo e sensibilizar as pessoas das grandes vantagens de o utilizar.
Criar Museu Vivo do Bunho para ensinar a arte às novas gerações
A Junta de Freguesia de Moçarria pretende no futuro criar o Museu Vivo do Bunho, no Secorio, onde muitas famílias trabalhavam o bunho no início do século passado. Já têm um espaço pensado e quando avançar será com o apoio da Câmara de Santarém, que já tem o bunho como marca registada. O objectivo do museu é que as pessoas possam aprender a trabalhar o bunho e assim recuperar-se uma tradição que está a cair em desuso. Por isso o Festival do Bunho e do Pão de Barbela, que decorreu no recinto de festas da Moçarria, teve diversos workshops onde foi possível aprender a arte de trabalhar o bunho e a confeccionar o pão de barbela.
Para os organizadores, o festival superou as expectativas, com muitos visitantes. Para o próximo ano projectam-se algumas novidades e Ricardo Lourenço admite pensar em formas de ligar a gastronomia, confeccionada pelas associações da freguesia que estão nas tasquinhas, ao pão de barbela. Dário Santos pretende ir a feiras pelo país para dar a conhecer a arte do bunho. “Queremos mais artesãos, mais jovens, a saberem trabalhar o bunho. Não queremos que seja segredo, queremos partilhar como se faz para que a tradição não desapareça”, realça o presidente da junta.
Câmara de Santarém apoia com 6 mil euros
O 1º Festival do Bunho e do Pão de Barbela, organizado pela Junta de Freguesia de Moçarria, vai contar com um apoio financeiro de seis mil euros por parte da Câmara de Santarém. O subsídio foi aprovado por unanimidade na última reunião do executivo municipal, que reconhece a relevância do evento que promove a identidade cultural e funciona como dinamizador económico da freguesia valorizando o que de melhor se faz neste território.