Cultura | 05-12-2023 21:00

O organista do Santuário de Fátima em Santarém

O organista do Santuário de Fátima em Santarém
Sílvio Vicente começou aos 10 anos a estudar órgão numa antiga escola de música do Santuário de Fátima

O organista do Santuário de Fátima desde 2009, Sílvio Vicente é também o organista residente da edição deste ano do Festival de Órgão de Santarém, que decorre até 3 de Dezembro.

O também compositor e formador defende que deveria existir uma maior aposta do Estado na formação musical dos alunos no ensino público e diz que é difícil viver só da música no nosso país.

Existem muitos organistas em Portugal mas nem todos têm formação. Deveria existir uma maior aposta do Estado na formação musical dos alunos porque existem organistas a tocar órgão sem formação. A opinião é de Sílvio Vicente, organista do Santuário de Fátima desde 2009 e organista residente da edição deste ano do Festival de Órgão de Santarém (FÓS) que decorre até 3 de Dezembro. O músico, que também é compositor, defende ainda que deveria haver ensino de música no ensino público pelo menos até ao 9º ano dando o exemplo de países como a Alemanha onde existe essa disciplina até ao 12º ano.
Sílvio Vicente, 33 anos, considera que as paróquias e dioceses deviam incentivar os jovens ou formandos que tocam órgão nas missas remunerando essa actividade, o que levaria a uma valorização da profissão. O organista é natural de Chainça, uma aldeia próxima de Fátima onde vive actualmente com a esposa. Os primeiros instrumentos que aprendeu foram piano e órgão e nunca mais quis outros. Tinha sete anos e foi nessa altura que começou a ajudar na missa de domingo na igreja matriz da sua aldeia. Os pais e o irmão cantavam no coro. Aos 10 anos começou a estudar órgão numa antiga escola de música do Santuário de Fátima.
Mais tarde começou a concorrer a concursos que a escola fazia para substituição de organistas do Santuário quando tiravam férias. “Fui ganhando concursos até que o Santuário entendeu que era necessário contratar mais organistas e foi aí que comecei a trabalhar a tempo inteiro. Comecei como trabalhador/estudante”, recorda em entrevista a O MIRANTE. Ser músico foi um caminho natural. Ainda pensou ser veterinário ou massagista mas o amor à música falou sempre mais alto e nunca se arrependeu da escolha que fez. “A música é uma paixão que me dá o meu ganha-pão. É um sonho poder fazer o que mais gosto a trabalhar”, acrescenta.
Além de organista e compositor também dá formação e é director artístico de um grupo profissional, chamado Auri Voces (Vozes de Ouro), fundado em 2012. É formador em muitas congregações de Fátima e não só. “O Santuário de Fátima ocupa 70% da minha actividade profissional e os projectos de composição também me ocupam bastante tempo. Tenho uma agenda muito preenchida”, admite.
A sua experiência no FÓS começou no ano passado quando colaborou no concerto de abertura com Ricardo Toste, organista residente dessa edição. Este ano foi convidado para ser o organista residente e confessa estar a ser uma experiência enriquecedora. “É sair daquilo que é o habitual da música erudita e navegar para outros meios onde a música também se pode inserir. Estou muito expectante para o Recital Gourmet, onde se alia a gastronomia à música juntando o órgão como protagonista principal”, afirma Sílvio Vicente, que conversou com O MIRANTE antes da realização deste evento.

Santarém condensa grande parte do património organístico de portugal
Sílvio Vicente acredita que a sua profissão é valorizada mas pouco vista. “Há pessoas que ouvem o órgão nas liturgias mas não vêem o organista e muitas vezes pode existir a impressão que é música gravada mas se a música do órgão for retirada das missas as pessoas percebem que há falta de algo”, explica. O compositor confessa que ainda sente o chamado nervoso miudinho antes de uma actuação e é nos momentos a solo que põe à prova as suas capacidades artísticas e a capacidade de explorar o próprio instrumento.
Sílvio Vicente realça que o órgão está em transformação. “Deixou de ser um instrumento único e passou a ser um instrumento que reproduz vários num só. É como se reduzíssemos a orquestra inteira, que pode ir até 120 músicos, num só instrumento e conseguir fazer isso é o que me apaixona todos os dias”, destaca. Os organistas da nova geração apostam nas plataformas online, como Youtube ou Spotify, para chegarem a públicos mais jovens. Sílvio Vicente considera isso fundamental para cativar os mais novos para a música e o interesse de estudar órgão.
Johann Sebastian Bach é o seu autor preferido assim como Louis Vierne, organista da Catedral de Notre Dame, em Paris, até 1937, sendo o compositor com o qual Sílvio Vicente se especializou em performance de órgão. O compositor já actuou em Espanha, França, Inglaterra, Irlanda e Itália. “É um público com maior sensibilidade musical, uma vez que estão mais ligados à música e têm formação nas escolas durante mais tempo do que nós”, refere. Um dos momentos mais marcantes da sua vida profissional foi quando apresentou o projecto de ensemble Auri Voces pela primeira vez em público, acrescentando ser possível viver da música em Portugal, embora reconheça ser uma dificuldade muito grande para muitos artistas.
Sílvio Vicente afirma que Santarém é uma das cidades que condensa grande parte do património organístico de Portugal. “Os órgãos históricos construídos em Portugal e Espanha são únicos e é aquilo a que chamamos órgãos ibéricos. O órgão serviu para acolher os exércitos com marchas militares e também para receber a família real”, explica.

Cerca de dez mil visitantes por dia no Santuário de Fátima este Verão

Sílvio Vicente diz que este Verão, desde Maio a Outubro, passaram pelo Santuário de Fátima entre cinco a dez mil pessoas por dia. O organista admite que foi uma temporada muito boa devido à Jornada Mundial da Juventude. “Foi uma afluência extraordinária e excepcional. No Inverno há sempre menos visitantes mas Fátima consegue sempre trazer muitos fiéis, o que é muito importante para mostrarmos também o nosso trabalho”, defende.
O compositor explica que um concerto de 60 minutos demora cerca de três meses a preparar, havendo muito trabalho por trás até chegar ao momento da apresentação ao público, sendo necessário ensaiar todos os dias. Considera que o mais difícil da sua profissão é preparar os eventos para apresentar publicamente. “A junção de pequenas formações musicais, por exemplo, nem sempre é fácil conjugar com a participação de órgão”, conclui.

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