Cultura | 04-03-2024 21:00

Aulas de pintura são concretização de sonhos adiados

Aulas de pintura são concretização de sonhos adiados
Alunos aprendem pintura a óleo no Centro Cultural de Samora Correia

Duas vezes por semana o Centro Cultural de Samora Correia é palco de aulas de pintura a óleo. Os alunos gostavam de aprender a pintar desde crianças e viram o seu sonho concretizado após a reforma.

Quem nunca pintou um quadro na vida quer chegar às aulas de pintura e levar logo uma obra para pendurar na sala. Mas até lá existe um caminho a percorrer. Quem o diz é Margarida Germano, 60 anos, impulsionadora das aulas de pintura no Centro Cultural de Samora Correia. Começou a pintar há 20 anos mas lembra-se de ser criança e ficar a ver quem pintava, nem que fosse a loiça de Sacavém, que considera arte. Os cadernos da escola sempre tiveram rabiscos seus mas a vida ditou que fosse administrativa a vida toda, sempre rodeada de letras e números. Fugia para a escrita mas com uma filha pequena, marido e casa para cuidar a pintura foi sendo adiada.
Quando disseram que iam começar as aulas em Samora Correia falou com meio mundo para lhe arranjarem um lugar. “Cheguei ao cúmulo de ter cá os meus compadres da Madeira, que só vêm uma vez por ano, e eu não faltar às aulas de pintura. A pintura que para mim é essencial”, conta. Margarida Germano privilegia os clássicos, grandes obras pintadas a óleo. Agrada-lhe Velasquez e pintores russos e australianos. “Para mim um quadro com um risco não é arte, é marketing. É a história da banana com fita-cola e que alguém deu milhões por aquilo. É a cor que faz comprar e não a técnica de pintura. Escolhe-se o que dá com o tapete ou que fica melhor com o sofá”, opina.
Margarida Germano costuma expor em Samora Correia, sobretudo temas taurinos. Mas o que mais gosta de pintar, ou não fosse alentejana, são as planícies e o sol, contar histórias de luz e sombra. Enquanto conversa com O MIRANTE pinta o quadro que vai expor através de uma galerista de Londres e que retrata a guerra com casas destruídas e uma criança caída a assistir. Já expôs na Bélgica, no Liechtenstein e em breve em Barcelona e Cascais.
No Centro Cultural de Samora Correia as aulas são dadas pelo pintor José Prudêncio, que foi convidado por Margarida Germano para ensinar pintura a óleo. As aulas acontecem duas vezes por semana, das 20h00 às 22h00 às terças-feiras, e das 15h00 às 17h00 às quintas. O valor pago pelos alunos é simbólico. Já os materiais são aconselhados mas para começar é recomendada uma palete de cores e, obviamente, os pincéis. Em Samora Correia não existe material à venda e por isso as encomendas são feitas pela Internet ou em lojas de Lisboa. Quando uns vão às compras acabam por trazer para os outros. “As aulas são boas para experimentar. Podemos fazer aguarela, espatulado, acrílico, temos essa liberdade. A pintura perpetua coisas que só vão ficar na memória tal como aquele quadro do José Prudêncio das mulheres a ceifar manualmente. Hoje só se usam máquinas”, vinca Margarida Germano .
Alunos dedicados
O professor e pintor José Prudêncio, 75 anos, é uma cara conhecida de Samora Correia, onde vive há meio século. Andou na escola industrial em Évora e tirou a melhor nota a desenho. Empregado bancário sempre conciliou a pintura e a carreira. Nos anos 80 pintou os primeiros carros do Carnaval de Samora Correia e o presépio no Palácio do Infantado. Nunca dizia que não quando a comunidade lhe pedia trabalhos.
Durante largos pintou também para uma galeria de arte figurativa em Lisboa. Assume-se um pintor clássico e gosta da obra de Malhoa. Pinta o que gosta e confessa que antes de morrer quer mostrar as vivências do Ribatejo (aponta para o quadro com um campino) porque as referências vão-se perder. “Nas aulas dá-me gosto ver a evolução dos alunos. Não saberem praticamente nada e depois saírem daqui a pintar. Também gosto do convívio”, refere.
Os alunos não são só residentes do concelho de Benavente. Arnaldo Santos, 65 anos, foi despedido do trabalho que tinha em Samora Correia mas continuou a frequentar as aulas de pintura, mesmo morando em Santa Iria de Azóia, concelho de Loures. Desde a escola primária participava nos concursos de desenho mas nunca explorou o jeito. “Quando vim para aqui é que comecei a pintar e também em casa. Os amigos nestas coisas não dizem mal, fica sempre tudo bonito. Mas aqui são críticos e ajudam. O meu filho também não perdoa e é bom critico. Já expus em Alverca, Vale de Figueira e São João da Talha e tenho tido boa aceitação. As pessoas dão valor aos quadros mas não despendem de verba para comprar. Cheguei a pedir valores quase dados mas não pega, as pessoas gastam dinheiro noutras coisas que consideram prioridade”, conta.
Quando se reformou há um ano Carlos Almeida, 67 anos, de Samora Correia, ouviu falar nas aulas e decidiu inscrever-se para passar o tempo. Pintou meia dúzia de telas e surpreendeu-se porque não sabia que tinha jeito para a pintura. Quando começou as aulas queria pintar os veleiros da Marinha mas ainda não é tempo, está a aprender duas vezes por semana até ter técnica suficiente.
Helga Braga, 65 anos, sempre apreciou arte, mas só quando ingressou na Universidade Sénior conheceu Margarida Germano e foi desafiada a frequentar as aulas. Estudou arte no IADE mas acabou por seguir uma carreira na área da tradução. Há oito anos começou a pintar quadros e assume que gosta de experiências e de fugir para a pintura abstracta. “A arte não tem limite tirando o bom senso. Acho que é uma questão de estética, vai da nossa própria cultura e vivência. Gostava de pintar sem medo de falhar, porque ninguém me vai cobrar nada e até posso não mostrar os quadros a ninguém. Mas um livro se não for lido não tem interesse. A arte tem de ser avaliada pelos outros e aqui nas aulas isso é possível”, afirma.

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