Autarcas recordam época de mais consensos e menos politiquice
António Nabais, Raul Sanches e Ana Cristina Pereira debateram o passado e presente do poder local, no arranque das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril na Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa.
Nos primórdios do poder local democrático em Portugal, nos anos seguintes à revolução do 25 de Abril de 1974, havia mais consenso entre os autarcas e menos politiquice. Independentemente do que cada um defendia tomavam-se decisões em prol das populações, com a concordância de todos. Esta foi uma das ideias fortes saídas do debate “O Caminho do Poder Local”, que marcou o arranque das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, organizadas pelo núcleo de trabalho da Assembleia de Freguesia da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa.
A iniciativa decorreu a 16 de Março, na sede do Grémio Dramático Povoense, na Póvoa de Santa Iria, e contou com as intervenções de três presidentes de junta. Raul Sanches (PSD), que foi o primeiro presidente da Junta de Freguesia do Forte da Casa, recordou tempos em que os eleitos das várias forças políticas se ajudavam mutuamente porque os executivos eram formados por pessoas sem experiência autárquica. Numa época em que não se falava de Internet nem de redes sociais, as assembleias de freguesia eram sempre muito participadas, chegando a ter entre 50 a 60 pessoas a assistir às reuniões.
A trabalhar de dia num banco, Raul Sanches chegava a casa, jantava, e vestia o fato de presidente de junta. O atendimento ao público era feito uma vez por semana entre as 20h00 e as 22h00. “Se queríamos mais pessoas nas reuniões distribuíamos mais panfletos. Se não interessava ter tanta assistência imprimíamos menos panfletos”, contou.
Numa altura em que as deliberações eram sempre por consenso, Raul Sanches sublinhou as boas relações que tinha com o presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Daniel Branco, eleito pela Aliança Povo Unido (APU). A vila do Forte da Casa não tinha transportes públicos. Os moradores percorriam a pé a linha de comboio até chegar à estação da CP da Póvoa de Santa Iria. Mais tarde a Rodoviária cedeu às pretensões da junta e os autocarros começaram a passar na vila.
Na memória guarda as alturas em que a electricidade ia abaixo quando começava a telenovela Gabriela. Todos ligavam a televisão ao mesmo tempo e a vila não tinha infraestruturas eléctricas com capacidade suficiente. As linhas telefónicas demoraram para ser instaladas e o dono do único café com telefone não deixava ninguém ligar. “No Forte da Casa a evolução foi sempre muito lenta porque começámos do zero”, referiu.
Em 1991, a Junta do Forte da Casa foi a primeira a ter dois computadores, pagos através do seu orçamento. Mais tarde as restantes freguesias do concelho tiveram o mesmo direito, com computadores pagos pelo executivo municipal liderado por Daniel Branco.
Captar jovens é um desafio
A Póvoa era um olival em 1974. António Nabais (APU) foi o segundo presidente da Junta de freguesia da Póvoa de Santa Iria e recorda-se bem quando os terrenos começaram a ser urbanizados pelo falecido empresário, José Maria Duarte Júnior. Foram necessários consensos e contrapartidas negociadas com a Câmara de Vila Franca de Xira. “Ele só começou a construir depois de garantir um quartel de bombeiros, creches, PSP, e cedência da Quinta Municipal da Piedade à câmara”, descreveu.
A população mobilizava-se mais do que hoje. Às vezes com pretensões sem sentido, como quando um grupo queria fazer da Quinta da Piedade uma freguesia. António Nabais não se conforma com a urbanização que está a ser construída na zona ribeirinha porque é uma parede para o rio. Quanto à evolução da freguesia, considera que apesar de tudo a população é servida por uma boa rede de transportes públicos, que na sua altura não existia.
Raul Sanches e António Nabais entendem que o maior desafio do poder local é conseguir captar jovens para as listas partidárias. Mas o discurso tem de ser mais apelativo. Os dois ex-autarcas governaram sem redes sociais e defendem que não se pode ligar a tudo o que se escreve atrás do teclado. “As pessoas dizem mal na Internet mas não são participativas na comunidade, nem colocam questões onde elas devem ser colocadas, como nas assembleias de freguesia”, remata António Nabais.
Verbas insuficientes
“Ninguém nasce presidente de junta”, sublinhou a actual presidente da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, e a primeira mulher no cargo. Ana Cristina Pereira chegou ao Forte da Casa em 1981, quando estava tudo por fazer. Defende que os elementos do executivo devem exercer o cargo a tempo inteiro porque só o presidente não chega a todo o lado.
Numa freguesia em que elege como maior desafio a falta de estacionamento e a manutenção dos espaços verdes, reitera que as verbas são curtas para tudo o que é preciso fazer. “A câmara é que decide os montantes a atribuir às juntas e por isso o critério é de desigualdade”, disse.