Cultura | 30-04-2024 21:00

Salgueiro Maia: o símbolo da revolução que continua a inspirar artistas

Salgueiro Maia: o símbolo da revolução que continua a inspirar artistas
Da esquerda para a direita, José Quaresma, Nuno Domingos, Correia Bernardo e Madeira Lopes, na sessão que teve a figura de Salgueiro Maia como mote

Exposição “Os Caminhos de Salgueiro Maia” está em exibição em Santarém e na inauguração foram contados alguns episódios da vida do capitão de Abril que comandou a coluna da Escola Prática de Cavalaria de Santarém crucial para o derrube da ditadura.

A exposição colectiva “Os Caminhos de Salgueiro Maia” foi inaugurada na tarde de 18 de Abril no Fórum Actor Mário Viegas, em Santarém. Uma mostra que conta com obras de mais de meia centena de artistas plásticos de Portugal, Polónia, Itália e Brasil e tem curadoria do professor e artista escalabitano José Quaresma. O tema base é a liberdade, com o capitão de Abril Salgueiro Maia a inspirar diversas criações, tanto nacionais como estrangeiras. A exposição já passou por Lisboa e Paris e vai estar ainda em Lisboa, Arraiolos, Castelo de Vide, Bolonha (Itália) e Lodz (Polónia).
Na ocasião foi também apresentado o livro “Chiado, Carmo, Paris e os Caminhos de Salgueiro Maia” e realizou-se uma conferência sobre Salgueiro Maia em que participaram o coronel Joaquim Correia Bernardo, o advogado João Luiz Madeira Lopes, o vereador Nuno Domingos, Hermínio Martinho, ex-militar na EPC e amigo de Salgueiro Maia e José Quaresma.

Um líder e um provocador
Joaquim Correia Bernardo relatou alguns episódios dos períodos em que privou com Salgueiro Maia enquanto camaradas de armas na Escola Prática de Cavalaria (EPC) de Santarém. Descreveu Salgueiro Maia como um líder e um provocador que tinha que conquistar o seu lugar por onde passava, sempre puxando pelos outros. Traços de carácter possivelmente resultantes de ter ficado órfão de mãe aos quatro anos e de, durante a infância, ter acompanhado o pai, ferroviário, por múltiplas localidades do país, o que impossibilitava a criação de raízes profundas. Começou na escola primária em São Torcato (Coruche) e passou também por Tomar, Leiria e Pombal. Cada transferência era um recomeço numa infância diferente da maioria das crianças.
Correia Bernardo conheceu Salgueiro Maia em 1967, quando este veio para a EPC em Santarém. Saltou logo à vista a sua fisionomia, o cabelo espetado e o vozeirão. Era um jovem militar jovial, divertido, que tinha um Citroen dois cavalos cor-de-laranja, gostava de tertúlias e de cantar - “cantava alto mas não muito bem”, descreve o antigo camarada. Quando Fernando Salgueiro Maia anuncia que se vai casar com a jovem professora Natércia apanha de surpresa muita gente que não o via amarrado tão cedo à instituição do matrimónio. Mas a vida não mudou assim tanto e as tertúlias e brincadeiras continuaram, agora também em casa do casal.
Nos primeiros anos da década de 1970, Salgueiro Maia “vive uma vida bastante aberta e entra na reflexão política sobre o país”. É promovido a capitão e destacado para a Guiné, o mais duro cenário de guerra nas ex-colónias portuguesas. Volta em 1973 com a ideia firme de que era necessário tomar uma posição de força – “isto assim não pode ser”, desabafava. Correia Bernardo contextualiza que os oficiais que serviam na Guiné regressavam com um espírito revolucionário mais apurado, porque ali sentia-se mais que não havia capacidade para defender aquele território. “Esta sensação de derrota, que o poder político não admitia, era sentido mais à flor da pele pelo pessoal que vinha da Guiné”, onde Correia Bernardo também serviu e foi gravemente ferido em combate, em 1968.
Em finais de 1973, numa reunião em Aveiras de Cima, Salgueiro Maia e Correia Bernardo alinharam com o movimento dos capitães, mas deixando claro que era necessário algum tempo para transferir munições de Santa Margarida para a EPC em Santarém. Regressaram dessa reunião sem trocar uma palavra no automóvel em que se deslocavam, tal era o peso da responsabilidade assumida. Salgueiro Maia ficou responsável pela preparação da coluna e Correia Bernardo de questões relacionadas com o pessoal e com a preparação de um plano B para defesa da cidade de Santarém, caso o golpe corresse mal.
Estava-se nesses preparativos quando se dá o golpe falhado com origem no quartel das Caldas da Rainha, em 16 de Março de 1974. Uma precipitação que podia ter custado caro ao movimento dos capitães. “Quem é que se lembra de fazer uma revolução numa sexta-feira à noite? Nem o Raúl Solnado!”, diz com humor Correia Bernardo.

Salgueiro Maia evitou sempre o confronto físico
Os preparativos continuaram e na noite de 24 de Abril, o comandante da Escola Prática de Cavalaria, já sob custódia dos militares revoltosos, ainda tentou dar-lhes a volta, mas Salgueiro Maia estava focado na sua missão e seguiu em frente. Depois, foi o que se sabe. “Salgueiro Maia evitou sempre o confronto físico e privilegiava a conversa. Teve a preocupação de não haver tiros e quando foi necessário enfrentar directamente os adversários foi sozinho”, enfatiza o antigo companheiro de armas.
A última vez que Correia Bernardo esteve com Salgueiro Maia foi na EPC, em Março de 1992, já ele estava minado pelo cancro que lhe roubou a vida. Maia desabafou: “o gajo ganhou!”. Foram almoçar e não houve mais troca de palavras. Salgueiro Maia esteve pouco tempo à mesa, levantou-se e saiu. “Nunca mais o vi. Faltou dar-lhe o abraço de despedida”, concluiu emocionado Correia Bernardo perante fortes aplausos de uma vasta plateia. Fernando Salgueiro Maia morreu em 4 de Abril de 1992.

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