Artistas locais mostram as suas criações em Alcanena
Nona edição do Alc’Arte, em Alcanena, junta trabalhos de vários artistas plásticos do concelho.
Zulmira Bento escreve e pinta há muitos anos e lamenta que a dependência dos ecrãs tenha ocupado um espaço que noutros tempos foi da literatura e de outras artes. A jovem Madalena Fernandes concilia a dança com as artes plásticas e constata com algum desalento que hoje as pessoas não conseguem parar, desligar por uns momentos e tentar perceber o que os artistas querem expressar.
A nona edição do festival Alc’Arte está a decorrer na Galeria Municipal de Alcanena onde vários artistas plásticos com ligação ao concelho têm as suas obras expostas. Zulmira Bento é de Vale Alto mas reside há dezenas de anos em Coimbra. Tem uma grande paixão pela freguesia de Minde e pelo concelho de Alcanena, que já inspiraram a escrita de livros. “O meu paraíso na terra, onde venho recarregar baterias, é na minha casa em Vale Alto. Já fiz várias investigações sobre o concelho que ficaram publicadas em livros que escrevi e onde retrato a minha paixão pelo concelho”, diz com um sorriso.
A escrita foi a primeira via que seguiu no mapa da arte, contando com 14 obras publicadas. Há 50 anos dedicou-se à pintura a óleo tendo depois passado para as aguarelas. Aprendeu através de vários cursos que frequentou. Na galeria municipal tem exposta uma obra de cada técnica, retratando a dança, o movimento e as cores numa pintura a óleo e uma imagem em aguarela de como era antigamente a praia fluvial dos Olhos D’Água. Admite que não existe nenhuma mensagem que pretenda passar nas suas criações. “Cada obra é uma obra e o que pretendo transmitir varia de caso para caso”, explica.
Procura sempre manter-se activa artisticamente e, actualmente, anda a aprender técnicas de retrato. Apesar de considerar que a instabilidade financeira é a maior dificuldade de ser artista, confessa sentir-se triste cada vez que vende um quadro, pelo laço emocional que desenvolve com cada obra. Acredita que a população gosta de arte e visita exposições, mas que o gosto pela leitura se tem vindo a perder. “Agora as pessoas preferem a imagem à palavra e ficar a olhar para o ecrã. Tem-se perdido o contacto com a pessoa do lado por estarem a olhar para as tecnologias”, lamenta Zulmira Bento, que também é júri dos jogos florais de Alcanena.
Acredita que a perda de gosto pela leitura se reflecte nos erros ortográficos e de pontuação, cada vez mais recorrentes por parte dos alunos. Os seus trabalhos podem ser comprados ou encomendados pessoalmente, em exposições. “De momento não estou a vender, mas as encomendas podem ser feitas pessoalmente comigo. Não tenho página na Internet porque não gosto do digital”, admite Zulmira Bento com uma gargalhada.
“É difícil fazer as pessoas parar e observar”
Madalena Fernandes, de 23 anos, é a artista mais jovem presente. No ensino secundário frequentou o curso de Artes Visuais e está a terminar uma licenciatura em dança, conciliando os trabalhos de bailarina com as artes plásticas. A tinta dourada e presença de elementos naturais são a sua assinatura em todas as obras. O gosto pela arte começou há cerca de quatro anos, quando começou a viajar e a questionar-se sobre o que poderia trazer de recordação das suas viagens, sem ser as tradicionais e industriais lembranças.
Confessa que a arte ainda tem sido um caminho de experiências e aprendizagem em que umas obras correm bem e outras não. Material de árvores como galhos, lascas de tronco e madeira, são os materiais que mais usa nas obras. O objectivo de cada criação é juntar a beleza e harmonia com elementos naturais. “Gosto que as obras fiquem bem na decoração de casas e que não sejam apenas para o meu gosto mas apreciadas por mais pessoas. A ligação com a natureza vem de mim própria. Vou buscar muita inspiração aos elementos naturais e acredito que os seres humanos são fruto da natureza, apesar de muitas vezes se esquecerem e preocuparem-se pouco com a protecção do ambiente e do planeta”, diz.
Madalena Fernandes acredita que a incerteza de haver trabalho é a maior dificuldade do trabalho artístico. Já participou em edições anteriores da iniciativa mas lamenta que a população viva tudo demasiado rápido e não tenha tempo para desligar e parar para observar uma obra. “Vivemos numa era em que tudo é para ontem e tem de ser consumido rapidamente. As pessoas não conseguem parar, desligar a mente por uns segundos e tentar perceber as obras e o que os artistas quiseram retratar. É difícil fazer as pessoas parar e observar”, lamenta. Os trabalhos de Madalena Fernandes podem ser encontrados na sua rede social Instagram.