Arlindo Pirralho diz que a arte em cortiça exige faca bem afiada
Arlindo Pirralho molda figuras e objectos em cortiça. O amor com que o faz é o segredo para o sucesso das suas criações que percorrem feiras de artesanato por todo o país. O MIRANTE esteve à conversa com o artesão do Couço, a propósito do Dia Nacional do Sobreiro e da Cortiça, que se assinalou a 1 de Junho.
Na pacata vila do Couço, no concelho de Coruche, reside um verdadeiro mestre na arte de trabalhar a cortiça. Quem entra na garagem de Arlindo Pirralho dá de caras com as prateleiras cheias de criações suas, feitas com este material nobre e tão português.
O artesão certificado nasceu há 75 anos em Santa Justa e foi criado no Couço mais o irmão, entretanto já falecido. A mãe era camponesa e o pai guardava gado. Fez a quarta classe e começou logo a trabalhar com o pai nos montes e a guardar pássaros nos arrozais.
O pai já gostava de artesanato e fazia colheres de pau, fisgas, objectos com os cornos dos touros e porta-chaves. Arlindo Pirralho ficava a ver. Pela mão do pai ia a feiras onde ficava horas a observar o trabalho dos artesãos até o pai dizer que já eram horas de regressar a casa. “Tenho um banco em cortiça com 75 anos que o meu pai fez para me sentar em pequeno. Ainda me lembro de me sentar ali depois do banho e pensar que era macio”, conta com um brilho nos olhos de saudade.
Aos 16 anos rumou a Lisboa para aprender o oficio de pedreiro. De 15 em 15 dias ia a casa, no Couço. Trabalhou na construção civil, sempre com o artesanato no pensamento, mas não tinha tempo.
Era presença assídua numa feira de artesanato no Estoril onde ficava horas a ver um dos artesãos a trabalhar em madeira. Há cerca de dez anos, quando se reformou, deu asas ao seu sonho e começou no artesanato. Primeiro criou figuras e utensílios em madeira e só mais tarde passou para a cortiça. “A madeira é mais difícil de trabalhar do que a cortiça porque exige mais força. Para trabalhar a cortiça temos de ter jeito e ter a faca bem amolada”, explica, enquanto trabalha numa das suas futuras peças.
Cortiça é dispendiosa
Arlindo Pirralho adora aves e isso reflecte-se nas suas obras em cortiça. Na prateleira vêem-se duas perdizes, pintassilgos, uma poupa, e claro, cegonhas que são características do Couço. Também se observam outros animais como as corujas, símbolo de Coruche, caixas, fruteiras e presépios.
O artesão já fez trabalhos para o posto de turismo de Coruche, participou no Festival do Arroz Carolino das Lezírias Ribatejanas, em Samora Correia, costuma estar na Feira Internacional da Cortiça (FICOR) e no dia 11 de Junho vai estar na Feira Nacional de Agricultura, em Santarém. É presença assídua na Feira de Grândola e gosta muito de ir a Portel, porque se sente mais valorizado. Arlindo Pirralho sente-se valorizado quando participa nas feiras e vende as suas obras. “No Alentejo valorizam mais a cultura e o trabalho do artesão. Têm orgulho na região. Tenho pena de não falarem com o mesmo orgulho no Ribatejo”, diz.
As encomendas são muitas mas Arlindo Pirralho não consegue dar resposta a tudo. Mesmo que trabalhe a cortiça todos os dias. As lojas pedem ímanes, as duas filhas vão levando as peças para as suas casas e em Grândola querem-lhe comprar as cegonhas. O trabalho mais estranho que lhe pediram foi uma espécie de arca para manter as coisas guardadas sempre frescas mas com uma porta lateral.
A cortiça é um material dispendioso e a melhor é vendida para fazer rolhas. “Costumo comprar a cortiça, mas tem de ser boa. Mas hoje em dia é quase pedir por favor para nos venderem cortiça. Podiam ajudar-nos mais e arranjarem uma cortiça boa porque pagamos”, apela. A cortiça dura uma vida desde que bem estimada e que não apanhe chuva.
Jovens designers criam roupa com cortiça
Filipa Neves e Joana Formigo são duas designers de Coruche que participaram no VI Concurso de Ideias e Criatividade 2023.
Filipa Neves é licenciada em Design e tem um mestrado em Branding e design de moda e quer seguir carreira nessa área. As amigas apresentaram seis peças, criadas por si, da colecção florescer. A roupa inspirou-se em Coruche e na tauromaquia e foi usada cortiça e cetim verde.
“As pessoas reagiram muito bem e gostaram do nosso trabalho mas ainda estão cépticas em relação à cortiça na moda. Não está só relacionado com o preço. A cortiça ainda está associada a acessórios antigos porque se banalizou nas canetas, bolsas, agendas e porta-chaves”, explica Filipa Neves. Apesar da cortiça, hoje em dia, ser mais maleável e confortável as pessoas ainda estão reticentes em comprar. Mas a verdade é que já existem peças e tecidos feitos com percentagens de cortiça e que têm um aspecto menos rígido. Também existe o fio de cortiça que está nos tecidos e é mais fácil de trabalhar.