Mariazinha mantém viva a tradição das bonecas de Constância
Maria da Conceição faz bonecas tradicionais de Constância há 40 anos. Já fez mais de mil bonecas e tem consigo perto de uma centena. Dedicou grande parte da vida a cuidar do marido, da mãe e do irmão e o artesanato funcionou como sustento, mas também como escape para se focar no lado bom da vida.
Maria da Conceição vive em Constância, onde é conhecida por Mariazinha. Encontrou no artesanato, há 40 anos, um escape à rotina e adversidades da vida. Começou o ofício com 41 anos após a morte do marido. Não consegue dizer quantas bonecas fez ao todo, mas certamente mais de mil, das quais ainda guarda perto de uma centena em casa.
O marido ficou paraplégico após um acidente de mota, a mãe era doente oncológica e o irmão retornou da Guerra do Ultramar com perturbações psiquiátricas o que levou Maria da Conceição, desde os 29 anos, a dedicar o seu tempo para os cuidados dos familiares. Começou a trabalhar na Força Aérea após terminar a quarta classe, onde estava encarregue da manutenção dos pára-quedas dos militares. Depois viveu num convento em Portalegre, tendo acabado por regressar a Constância para trabalhar na produção de redes de pesca. Hoje, vive da curta reforma que “apenas chega para comer” e do que o artesanato lhe dá. Antes do artesanato, cantou no coral da igreja e fez teatro, sendo as maiores alegrias dançar e cantar. “A alegria do teatro, da dança e de cantar eram a forma de me refugiar da minha vida e era um alimento que me permitia estar presente, com forças e encarar o lado bom da vida”, diz com um sorriso.
Aprendeu a fazer bonecas pelo que ia vendo dos artesãos mais velhos e de um curso que frequentou no Centro de Emprego de Abrantes em parceria com o município de Constância. Num país onde grande parte da população vive com dificuldades financeiras, adquirir peças de artesanato não é propriamente uma prioridade, diz, apesar de constatar o reconhecimento pela arte. “As pessoas param, admiram e acham muito bonito, mas nem sempre compram. Não posso julgar, porque a vida está difícil para todos, mas só de ver os sorrisos de admiração para mim já conta muito, artesanato também é isso” afirma. Principalmente, as pessoas com mais idades são quem mais aprecia as peças, por memórias de infância. “Quando vêem as bonecas, vejo-lhes sempre um sorriso de saudade, de memórias de infância porque foram quem mais brincou com bonecas assim e quem reconhece as tradições. Esse também é um objectivo, manter viva a tradição”, explica. As bonecas tradicionais de Constância, feitas pela artesã, encontram-se no posto de turismo e no restaurante Leopoldina, na vila.
Maria da Conceição acredita que o gosto pelo que se faz e a sensibilidade para os detalhes visuais é o mais importante no artesanato. Cada boneca leva oito a dez horas de trabalho e o mais difícil é conseguir conjugar os tipos de tecido e tons, para que fique bonito e não fuja à realidade. Os trajes das bonecas devem ser parecidos com os trajes tradicionais de Constância e usados pelas mulheres antigamente. Segundo Maria da Conceição “devem contar a história dos tempos de outrora de Constância”. As bonecas são feitas com canas, tecidos, cabeças de enchimentos, olhos e boca bordados e as faces pintadas de rosado e devem representar todas as classes da sociedade dos tempos antigos, desde a alta sociedade às classes trabalhadoras.