Os 4 e o Burro preparam nova peça e mantêm viva a tradição teatral em Alenquer
Com mais de duas décadas de existência, a trupe de teatro Os 4 e o Burro prepara a estreia da sua nova peça, “Stress de Guerra”. O grupo mantém-se dinâmico, continua a atrair novos espectadores e reforça a importância do teatro em Alenquer.
Fundada em 2001 com a peça “Ruzante Volta da Guerra”, uma obra do dramaturgo italiano Angelo Beolco, a trupe de teatro Os 4 e o Burro foi criada com o objectivo de formar um grupo de teatro de rua, para contornar a falta de palcos disponíveis em Alenquer. A ideia do nome do grupo surgiu da primeira peça, em que eram quatro os actores, acompanhados por um burro. Vinte e três anos depois, a trupe continua dinâmica e a atrair novos públicos ao centenário Teatro Ana Pereira, em Alenquer.
O actor e encenador Álvaro Gomes começou a aventura no teatro em 1973, quando ainda havia censura. Trabalhou com quase todos os géneros de teatro, primeiro em Alenquer, até à década de 90, e depois esteve 15 anos no Cegada Grupo de Teatro em Alverca. Regressou às origens e mantém-se na trupe Os 4 e o Burro. “O grande amor ao teatro e a vontade de mudar a sociedade são o segredo para nos mantermos estes anos. O teatro não deve ser neutro, tem uma função, deve divertir mas educar. Quando as pessoas regressam a casa devem reflectir no que viram”, afirma.
O número de elementos do grupo varia conforme as peças mas está entre as 10 e as 13 pessoas. É difícil aparecer gente nova, e do sexo masculino entre os 30 e 40 anos ainda mais. O grupo já teve de desistir de encenar algumas peças precisamente por não ter pessoas com idade para desempenhar os papéis. Os ensaios acontecem três vezes por semana e diariamente quando se aproxima a estreia de uma peça. “Aqui continuamos a revolução, ainda não acabou e espero que nunca acabe. A próxima peça é o vigésimo espectáculo que fazemos em sala. Depois temos recriações históricas e fazemos as feiras medievais”, diz Álvaro Gomes.
Alenquer sempre foi uma terra de teatro
Os 4 e o Burro estão a ensaiar a segunda peça deste ano. “Stress de Guerra”, de Sacha Nikov, vai estrear a 15 de Novembro e fica em cena até 21 de Dezembro. A peça aborda a Guerra Colonial, um tema ainda presente na nossa memória colectiva. “Diziam que o teatro ia acabar quando apareceu o cinema, a televisão, a Internet... pode tirar algum público mas nunca acaba. O teatro está a renascer e ou se gosta ou se detesta. É uma grande escola. Trabalhei com actores da televisão que quando subiram a palco não sabiam para onde ir, as tábuas são o princípio de tudo”, vinca o encenador.
No século XIX já havia teatro em Alenquer. Hoje, as peças da trupe mantêm um público fiel mas também gente nova que se desloca de outros concelhos para assistir às representações. O MIRANTE assistiu a um ensaio da nova peça e falou com Maria Albertina, que está na trupe desde a fundação. Já fazia teatro amador, que conciliou com a profissão de docente de português do ensino secundário, e agora na reforma continua a dedicar-se à arte. “Amo o teatro e é isso que me leva a fazer qualquer coisa. A personagem que mais gostei de fazer foi a Matilde na peça “Felizmente há luar”. Em Alenquer, as pessoas ainda dão valor ao teatro e vêm assistir às peças”, conta.
Aos 73 anos, Armando Vale Quaresma é técnico de som e faz de ponto. Estreou-se no Teatro Nacional no “Conto Americano” e no “Camareiro” mas quando se mudou de Lisboa para Alenquer foi desafiado para entrar na peça “O Santo Inquérito”. Está no grupo desde 2009 e os papéis vão variando conforme as necessidades: entra como actor ou é técnico de palco e de som.
Graciano Martins começou no teatro em 2018, quando se inscreveu nas aulas de teatro na AlenPalco - Companhia de Teatro da Vila de Alenquer. Já subiu a palco em três peças e diz que lhe tomou o gosto e faz parte dos dois grupos de teatro de Alenquer. Com 85 anos, Félix Pedro é o actor mais antigo em idade mas o mais novo a fazer teatro. Começou há cinco anos mas recorda que na família já havia gente ligada ao teatro amador. Na Abrigada não havia nenhum grupo e só quando se mudou para o Carregado começou a colaborar com a AlenPalco e com Os 4 e o Burro.
Um caixão e G3 pelas ruas de Alenquer
O actor Manuel Carvalho recorda um dos episódios relacionados com o teatro. Em 1976 estreou a peça “A noite do 28 de Setembro” em que os actores andavam a reboque após os ensaios. “Éramos transportados em camionetas de carga misturados com os cenários. Uma noite vínhamos de um ensaio pelas estradas do concelho, tínhamos um caixão e armas G3 a fingir, mas que foram feitas à escala real. Vinha um carro atrás de nós com os máximos ligados e a malta estava a pedir para desligarem as luzes. Eu não vou de modas e tiro uma G3 e o carro com medo ultrapassou-nos de qualquer maneira”, conta divertido.
Manuel Carvalho é um dos actores de “Stress de Guerra” e começou a subir ao palco logo após o 25 de Abril de 1974. Interrompeu a actividade alguns anos e regressou em força em 2017, já reformado.