Cultura | 13-11-2024 18:00

Sociedade Crucifixense: tradição e comunidade nas mãos de duas gerações

Sociedade Crucifixense: tradição e comunidade nas mãos de duas gerações
TEXTO COMPLETO DA EDIÇÃO SEMANAL
Bruno Curado e José Luís, da Sociedade União Crucifixense, explicaram as origens da colectividade do concelho de Abrantes

José Luís e Bruno Curado partilham com O MIRANTE a trajectória da Sociedade União Crucifixense, desde as primeiras celebrações e tradições locais até aos desafios de manter viva a cultura comunitária no Crucifixo e no Tramagal, no concelho de Abrantes.

Basta entrar no salão principal da sede da Sociedade União Crucifixense, no Tramagal, e sente-se logo o espírito acolhedor e a história que ecoa nas paredes de madeira, no palco enfeitado de cortinas vermelhas e nas mesas que ocupam o espaço onde amigos e familiares se reúnem para tardes e noites de convívio. Os mais velhos recordam momentos passados naquele espaço, desde bailes e celebrações, a festas e iniciativas culturais, revivendo as memórias que mantêm viva a tradição da colectividade. O sócio número um do Crucifixo, José Luís, e o actual presidente, Bruno Curado, contam a O MIRANTE como tudo começou e que futuro tem a associação.
Aos 92 anos, José Luís ainda vive com paixão o associativismo. Explica que tudo começou em 1945, quando a Tuna Crucifixense e a equipa do Futebol Clube Crucifixense se uniram devido a terem de partilhar as instalações. Apesar das disputas que existiam na altura, as duas decidiram colocar as rivalidades de parte e uniram-se em prol da comunidade, dando origem à União Crucifixense. Nesse mesmo ano, iniciaram-se os primeiros bailes que se tornaram a grande marca da sociedade que hoje, passados 79 anos, é composta por cerca de 350 sócios, dentro dos quais 18 fazem parte da direcção.
Numa aldeia com cerca de 500 habitantes, a sociedade do Crucifixo mantém-se activa com uma programação diversificada que reflecte o espírito da comunidade e as tradições que valorizam. Bruno Curado explica que a colectividade realiza o tradicional Baile da Velha. Posteriormente realizam o Enterro da Velha, onde são colocadas doçarias num tabuleiro composto para dar a parecer que se encontra ali uma pessoa enterrada, e no qual as crianças se colocam atrás a fingir que choram. Lê-se o Testamento da Velha, onde os moradores contam as coscuvilhices em jeito de sátira. No fim, “a pessoa enterrada” vai a leilão e os sócios doam dinheiro para as doçarias que reverte depois para a sociedade. Para além destas tradições anuais, a Sociedade Crucifixense conta com o apoio da Câmara Municipal de Abrantes e da Junta de Freguesia do Tramagal e realiza diversas caminhadas, torneios, jogos, festas dos anos 90, o Festival do Caracol, Festival de Sopas e celebrações em dias festivos.
Bruno Curado acredita que para manter vivas as tradições é necessário ter uma boa equipa de trabalho e criatividade. “Somos o grupo de direcção mais jovem que já passou por aqui, e apesar de dar trabalho, conseguimos ter ideias e ajudarmo-nos uns aos outros para elevar a colectividade”, revela. Para além dos desafios, o presidente garante que a Sociedade do Crucifixo distingue-se pelo bairrismo.

As noites de teatro
Da história da sociedade fazem parte as lendárias peças de teatro, que já não se realizam, mas que marcaram profundamente a história daquele espaço antes do ano de 2014. Para muitos sócios, especialmente os mais antigos, as noites de teatro eram momentos aguardados com entusiasmo. As peças eram produzidas e encenadas pelos próprios membros da sociedade, que dedicavam semanas aos ensaios e à criação dos cenários. Para Bruno Curado, esses momentos eram mais que uma simples encenação, representavam ocasiões de união e orgulho comunitário, onde todos faziam parte de uma celebração cultural única. Hoje, há quem sinta falta dessas noites, e que as descrevem como os “momentos dourados” da Sociedade. A memória dessas produções sobrevive nas conversas e histórias dos sócios, que esperam, para o ano de 2025, ver o palco da Sociedade União Crucifixense voltar a iluminar-se com a magia do teatro amador.
Entre as várias gerações, sente-se o orgulho que os sócios têm em pertencer a esta instituição que há décadas reforça os laços da comunidade e preserva as tradições locais. A Sociedade União Crucifixense do Tramagal é mais do que um simples espaço de actividades. Quem lá pertence acredita que é um símbolo de união, trabalho e continuidade, reflectindo a força de uma comunidade que resiste ao tempo, adaptando-se e renovando-se sem nunca perder a sua essência.

O sócio nº1 e o actual presidente

Nascido e criado na aldeia do Crucifixo, José Luís sempre foi presença constante nos eventos e actividades da Sociedade onde entrou aos 16 anos e se tornou o primeiro sócio da casa. Na juventude, equilibrava a participação nas actividades culturais e recreativas da União Crucifixense com a sua profissão na indústria metalúrgica, onde trabalhava desde os tempos de aprendiz. Começou a trabalhar aos 12 anos na indústria. Era contabilista e trabalhava no serviço pessoal a pagar os ordenados aos operários. Era o responsável por manter as contas em ordem e garantir que cada número reflectisse o trabalho árduo da fábrica. Quando começa a falar da sua profissão, o orgulho é evidente, e conta as histórias dos cadernos de contabilidade meticulosamente preenchidos, das longas noites a conferir balanços, e da responsabilidade que sentia ao garantir que cada número estivesse correcto. A sua experiência na metalurgia ensinou-lhe o valor do trabalho árduo e da resiliência, qualidades que trouxe consigo também para a sociedade, onde era sempre um dos primeiros a garantir que as tradições eram mantidas. Hoje, aos 92 anos, José Luís continua a frequentar a Sociedade sempre que pode. Embora já não participe com a mesma energia de antigamente, é acolhido com admiração e respeito pelos mais jovens, que vêem nele uma verdadeira lenda viva da Sociedade União Crucifixense e um exemplo de dedicação e amor pelo Crucifixo e pelo Tramagal.
Aos 42 anos, Bruno Curado é responsável por uma empresa metalúrgica no Tramagal, uma função que abraçou apesar de a sua formação académica ser em engenharia electrotécnica. Entrar na indústria metalúrgica foi uma mudança inesperada, mas acabou por lhe abrir portas. Quando questionado sobre o motivo que o levou a candidatar-se a presidente da Sociedade, Bruno Curado revela que “algum dia tinha de ser”. “Sempre quis elevar a Sociedade e não deixar cair as tradições da aldeia” explica, sublinhando o quanto aprecia a união do grupo. “Fico grato pela equipa que tenho, porque somos todos a trabalhar e a tomar decisões em conjunto”. Pai de dois filhos e entusiasta da apicultura, é um exemplo de como a boa gestão do tempo permite conciliar diferentes responsabilidades e interesses. “Com força de vontade e uma boa organização, é possível fazer tudo”, garante.

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