Benavente homenageia Natércia Freire e família da poeta oferece obra à biblioteca municipal
A Câmara de Benavente realizou uma sessão evocativa dos 20 anos da morte da poetisa Natércia Freire, que incluiu a oferta, por parte das duas filhas, de uma edição de 1972 de “Os Lusíadas”.
A Câmara Municipal de Benavente homenageou Natércia Freire, por ocasião do 20.º aniversário da sua morte, numa sessão que reuniu familiares e admiradores da obra da poetisa e jornalista natural desta localidade ribatejana. O momento alto da sessão foi a oferta, por parte da família de Natércia Freire, de uma edição especial publicada pelo Diário de Notícias em 1972, por ocasião do IV Centenário de “Os Lusíadas”.
Coordenadora da página “Artes e Letras” do DN durante 20 anos, Natércia Freire desafiou vários artistas plásticos, que conhecia, a ilustrar estrofes da obra de Luís de Camões, resultando na criação de 52 quadros. Entre os artistas que participaram, destacam-se nomes como Vieira da Silva, Almada Negreiros, Mário Cesariny, Nadir Afonso, Lima de Freitas e Manuel Cargaleiro.
Durante a cerimónia, o presidente da Câmara de Benavente, Carlos Coutinho (CDU), expressou gratidão pela oferta, afirmando que esta “valoriza o património cultural de Benavente e perpetua a memória de Natércia Freire”. Isabel Corte-Real, filha da autora, partilhou a história contada um dia por Natércia quando, a propósito, resolveu incluir uma ilustração de Almada Negreiros, apesar de este já ter falecido à época, com um painel sobre “Os Lusíadas” que estava exposto na parede do edifício do Diário de Notícias.
Ana Lúcia Sena Lino, também filha da autora, recitou um poema. O programa contou ainda com um momento musical protagonizado por Anita Pereira (flauta transversal) e Dinis Alemão (piano), ambos de Samora Correia, que interpretaram “Canção Quimérica – Tango – Canção”, com música de Natércia Freire e versos de Celestino Gomes. A poetisa Ana Cláudia Silva encerrou a cerimónia com a declamação de três poemas da homenageada. A edição de 1972 pode agora ser consultada na Biblioteca Municipal de Benavente.
A ligação umbilical às searas, ao rio e aos salgueirais
Ana Lúcia Sena Lino e Isabel Corte-Real, filhas da poetisa ribatejana Natércia Freire, recordam a influência da mãe e a sua forte ligação a Benavente, terra que moldou a sua poesia. “A minha mãe tem muita poesia ligada às searas, ao rio, aos salgueirais”, partilhou Isabel Corte-Real, sublinhando a O MIRANTE que a obra da escritora está profundamente enraizada na paisagem e nos sentimentos da região.
Isabel Corte-Real vinca que o seu pai, o médico José Isidro Júnior, e a sua mãe se conheceram, namoraram e casaram em Benavente. Viveram em Samora Correia e, mais tarde, residiram na Póvoa de Santa Iria. Por arrasto dos seus progenitores, guarda recordações maravilhosas da região, da qual era também natural o pai de Natércia Freire, nomeadamente de Valada do Ribatejo.
Isabel Corte-Real herdou da mãe a perseverança e profissionalismo. Dedicou a vida à administração pública, chegando a desempenhar o cargo de directora-geral do Instituto Europeu da Administração Pública, assim como alguns anos à política. O legado da mãe é também uma ponte entre gerações. “A hereditariedade é uma eternidade porque passou para mim e passará alguma coisa para os meus filhos”, afirmou. A poesia de Natércia Freire, com a sua capacidade de personificar sentimentos e elementos da natureza, continua a ser um ponto de encontro para quem busca compreender a alma ribatejana.
Ana Lúcia Sena Lino, que foi professora de inglês, destacou o papel da mãe na divulgação de novos autores. “Ela publicava todos os autores. Era o talento que importava, independentemente de serem de esquerda ou de direita, mesmo que isso não lhe fosse perdoado”, lembra, frisando a coragem da mãe durante os tempos de censura, da qual também era visada. Considera que Natércia Freire permanece “um pouco tapada” no reconhecimento público, apesar do impacto duradouro da sua obra.
As duas filhas de Natércia Freira regressavam à região a casa dos tios Joaquim e Guilhermina Calado, irmã do pai. Quase todos os fins-de-semana e, por vezes, nas férias a casa da lavoura era o cenário das irmãs. Ficam recordações, como contaram a O MIRANTE, do cheiro das enguias, da cabidela ou do arroz doce que provinha da cozinha, assim como as idas à capoeira à procura dos ovos.
Inspiração para as novas gerações
A admiração pelo trabalho da escritora não se limita à família. Ana Cláudia Santos, de 28 anos e que cresceu em Benavente, encontrou em Natércia Freire uma inspiração. “Ela valida o sentimento de eu ser de uma pequena terra e querer conquistar o mundo”, afirmou, sublinhando o impacto universal da obra da poetisa.
A jovem trabalha no serviço educativo do Museu das Comunicações, parte integrante da Fundação Portuguesa das Comunicações, onde desenvolve oficinas, actividades e programação. Apesar da sua dedicação profissional, é na poesia que encontra a sua maior paixão e fonte de inspiração. Há dois anos entrou em contacto com a obra de Natércia Freire, após várias recomendações para explorar a poesia da escritora. Ao pesquisar, descobriu que se tratava de uma poetisa oriunda de Benavente, o que a motivou a dedicar um episódio do seu podcast à autora. Esse momento marcou o início de uma admiração profunda pela poesia de Natércia Freire.