Ourém homenageou escritor da terra que venceu prémio Camões mas recusou-o “por não gostar de dinheiro”
Luandino Vieira venceu o Prémio Camões em 2006 mas recusou-o porque estava há vários anos sem escrever e “por não gostar de dinheiro”. Jornadas em homenagem ao escritor natural de Ourém decorreram a 24 e 25 de Janeiro.
O percurso e a obra do escritor angolano José Luandino Vieira foram celebrados nos dias 24 e 25 de Janeiro, em Ourém. Organizadas pela Câmara de Ourém, através da biblioteca municipal, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian e o Instituto Politécnico de Tomar, as Jornadas “Luuandando com José Luandino Vieira – As estórias de ontem, hoje e amanhã” tiveram como objectivo divulgar e celebrar a obra de um dos nomes mais relevantes da literatura de língua portuguesa, mantendo viva a ligação ao sítio onde Luandino Vieira nasceu, a 4 de Maio de 1935.
Natural da Lagoa do Furadouro, na freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias, José Luandino Vieira saiu ainda criança de Ourém, passando a infância e juventude em Luanda, Angola. Naturalizado angolano, envolveu-se na luta pela independência de Angola e esteve mais de uma década preso durante o regime salazarista, passando oito anos no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Em 2006 foi-lhe atribuído o Prémio Camões, distinção que recusou por estar então há 30 anos sem escrever. “Considerei que era uma injustiça para com os colegas que trabalharam e se esforçaram ao longo desses anos” e “por não gostar de dinheiro”, disse o escritor à Lusa em 2009. Actualmente, o escritor de 89 anos viver em Vila Nova de Cerveira.
O percurso, a obra e também a personalidade de Luandino Vieira foram recordados em Ourém nas jornadas que fecharam vários meses de trabalho de muitos alunos do concelho. “Ele nasce na Lagoa do Furadouro, mas cedo sai de Ourém e, efectivamente nunca mais teve ligação directa a Ourém, além da amizade com Sérgio Ribeiro [histórico deputado do PCP, natural de Ourém e falecido em 2024]”, explicou à Lusa a vereadora da Cultura, Isabel Costa. O município atribuiu em 2024 a medalha de mérito cultural a Luandino Vieira, mas nunca organizara nada sobre o escritor, relembra a autarca. “Perguntámos a muita gente aqui em Ourém e Luandino era uma pessoa completamente esquecida”, vincou.
Para avivar a memória dessa ligação ao vencedor do Prémio Camões em 2006, em Outubro de 2024 tiveram início acções por iniciativa da biblioteca municipal e das bibliotecas escolares, levando a história do escritor e a sua obra “a muitos milhares de alunos, dos mais pequeninos aos do 12.º ano”. O resultado foi “um conjunto de trabalhos fantástico, cheios de variedade”, em exposição na biblioteca e, durante as jornadas, no Teatro Municipal de Ourém. “Os miúdos passaram a conhecer, os pais passaram a conhecer. Agora já não estamos como estávamos há quatro meses”, quando Ourém quase ignorava Luandino Vieira, frisou Isabel Costa, satisfeita por “não se deixarem perder estas pequenas ‘raízes’ que ficaram dessa ligação muito inicial”. “Finalmente as pessoas sabem quem é o Luandino, porque ouviram falar no Luandino, na forma de escrita dele”, salientou.
Luandino Vieira ganhou um prémio que levou à extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores
Luandino Vieira foi distinguido em 1965 com o Grande Prémio da Novela, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE) ao livro Luuanda. Um galardão mal digerido pelo antigo regime e que desencadeou uma vaga repressiva que levou à extinção da SPE por despacho do Ministério da Educação. A sede da associação foi assaltada, vandalizada e encerrada pela PIDE. A referência a este acontecimento foi proibida pela censura em todos os jornais, mas o Jornal do Fundão, que divulgou a notícia, foi suspenso por cinco meses e depois submetido a censura especial.