Cultura | 20-04-2025 15:00

Carolina Ferreira: a última peixeira do mercado de Alpiarça reformou-se ao fim de 60 anos de trabalho

Carolina Ferreira: a última peixeira do mercado de Alpiarça reformou-se ao fim de 60 anos de trabalho
Carolina Ferreira, que vendeu peixe 60 anos no Mercado de Alpiarça, foi uma das personalidades homenageadas pela câmara

Carolina Ferreira foi a última peixeira a vender no mercado de Alpiarça e só deixou o negócio por já não ser rentável. As artroses nas mãos da mulher de 88 anos são o reflexo de 60 anos a servir o povo de Alpiarça, a quem agradeceu na cerimónia do dia do concelho.

As artroses nas mãos de Carolina Ferreira, 88 anos, ou Carolina do peixe, como é conhecida em Alpiarça, mostram a dureza de 60 anos a amanhar peixe e lidar com o gelo no Mercado Municipal de Alpiarça. Fechou esse capítulo em Dezembro do ano passado, por o negócio já não ser rentável. No feriado municipal foi uma das mais de 50 pessoas e entidades distinguidas pela Câmara de Alpiarça, por laborar há mais de 30 anos no concelho. “A pessoa que não tem ganância pelo dinheiro, não tem ganância pela vida”, disse a O MIRANTE dias depois numa entrevista em sua casa, a cerca de um quilómetro do mercado, onde nos esperou cá fora ao portão, tal era o entusiasmo.
O silêncio em casa contraria o barulho do tráfego automóvel à porta. Conta-nos que é natural do Pombalinho, no concelho da Golegã, que estudou até à segunda classe e como não queria continuar na escola foi apanhar azeitona a mando do pai. Viveu em Pontével (Cartaxo) antes de casar aos 18 anos e apesar de o marido não querer que trabalhasse, aceitou, aos 28 anos, o convite de uma peixeira do mercado de Alpiarça para ir vender peixe e ter o seu próprio dinheiro. O mercado ajudou-a a desenvolver-se, a ter outros conhecimentos e a conviver com outras pessoas, explica.
Mais tarde abriu a sua própria banca e contratou um fornecedor de Almeirim com quem trabalhou até terminar o negócio. Lúcida, bem-disposta e de boa saúde, recorda os nomes das 13 peixeiras que em tempos vendiam no mercado de Alpiarça, tendo sido a última a despedir-se. Resta nas bancas, segundo descreve, uma senhora a vender fruta e outra que vende queijos e presuntos à quarta-feira. “Quando acabar a Elisa, o mercado vai ficar para festas. Não dá dinheiro”, desabafa.

O mercado era uma prisão que lhe dava felicidade
Diz que antes do 25 de Abril o peixe era inspeccionado todos os dias e era melhor. A boa carne e enchidos faziam com que as pessoas que estavam de passagem parassem no mercado, onde havia três talhos, uma padaria e um café, pelo menos, mas o aparecimento dos supermercados abalou muito o negócio, diz. Apesar de estar cega de uma vista após uma operação às cataratas, e com 20 por cento apenas na outra vista, afirma que se o negócio desse dinheiro teria continuado. “Antes era com uma balança decimal e ganhou muito dinheirinho, mais do que esta”, brinca a comerciante.
Viúva do segundo marido há 30 anos, tem tido o apoio do enteado, do neto “emprestado” e dos sobrinhos. Cozinha e coze pão, arruma a casa, passa a ferro, trata das flores e ainda vai ao mercado beber café. Carolina Ferreira pensou sempre à frente, foi guardando o dinheiro que ganhou para alguma urgência que surgisse e vive confortavelmente com a sua reforma. Garante que apesar de o mercado ter sido uma prisão, era uma prisão que lhe dava felicidade.

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