Crianças de Azambuja aproximam-se das raízes em viagens que contam com o saber dos mais velhos



























No concelho de Azambuja há um projecto pedagógico pensado para as crianças ficarem a saber mais sobre o território onde vivem. O MIRANTE acompanhou uma turma que viajou pela Rota dos Sentidos, em Vale do Paraíso. Na bagagem levaram apenas a curiosidade de aprender sobre o tempo dos pais e avós.
Maria Dias nasceu há 10 anos. No mesmo ano, cientistas em Washington trabalhavam algoritmos para que robôs aprendessem como bebés, ou seja, a tocar nos objectos e a observar como os adultos fazem. O mundo, os robôs e Maria muito evoluíram desde então, mas isso não significa que o que está para trás mereça cair no esquecimento. É por isso que no concelho de Azambuja os alunos, através das Viagens do Zambujinho, um programa desenvolvido pelo município, vão às várias freguesias aprender sobre as suas raízes. Maria chegou à sede do Rancho Folclórico de Danças e Cantares de Vale do Paraíso com vontade de aprender e logo se surpreendeu quando Fernando Gomes, presidente da direcção da colectividade, contou que na sua infância não havia tablets, nem sequer cadernos, mas pequenos quadros de ardósia onde se escrevia a matéria a giz.
Com o mesmo olhar de espanto estão os restantes 20 alunos da turma D do 4º ano da Escola Básica de Manique do Intendente a admirar um carrinho de bois em miniatura. E Guilherme Duarte, de 9 anos, está ansioso por conduzi-lo. “Está a ser divertido, estou a aprender muitas coisas da altura da minha mãe e do meu pai”, diz a O MIRANTE antes de tomar o comando do carro feito de madeira. “Sabem o que é uma PlayStation? No meu tempo o mais próximo que havia era uma consola, mas o jogo demorava tanto a carregar que enquanto processava brincávamos com estes carrinhos”, conta o presidente da Junta de Vale do Paraíso, Sérgio Alexandre.
Moldar a massa dos bolos e aprender sobre o antigamente
O presidente da junta faz questão de acompanhar as visitas dos alunos à Rota dos Sentidos, uma das várias disponíveis para as Viagens do Zambujinho. Nela, explica, as crianças aprendem sobre os “instrumentos agrícolas, as maneiras de dançar e brincar” de antigamente, as tradições locais e, ainda, a confeccionarem as típicas sopas de batata, o torricado de bacalhau e os bolos de casamento - doce único daquela freguesia. Há um ou outro que já amassou pão com a avó, como é o caso de Luísa Caldas, mas a maioria levanta o braço quando é perguntado se nunca o fizeram. Voltamos à Maria, que pertence ao grupo dominante. “Nunca tinha mexido em massa, mas é muito giro. Está quentinha”, diz.
Açúcar, azeite, farinha, fermento, ovos, manteiga, limão, canela e bicarbonato de sódio. Ouve-se a várias vozes a receita que é seguida religiosamente pelas mulheres de Vale do Paraíso, que continuam a receber encomendas destes bolos em forma de ferradura para dar sorte aos noivos. Clara Silva, Ana Quitério e Maria Júlia Quitério preparam junto ao forno comunitário - acendido por José Pedro Quitério - mais uma encomenda, já depois de terem preparado a massa para os alunos moldarem.
Dos noivos passa-se aos namorados e ao largo que vão visitar e que era o centro de Vale do Paraíso, onde as raparigas iam à fonte encher o pote de água e os rapazes ficavam no Largo Serafim a ver se viam aquela por quem estavam enamorados. “O Largo do Serafim tem duas pedras assentes: uma para os namorados, outra para os padecentes”, declama Fernando Gomes. Mas entre a plateia não há quem saiba o que é um padecente, por isso, o presidente de junta apressa-se a explicar: “é um menino que gosta de uma menina mas não tem coragem de lhe dizer. Por isso é que havia uma pedra para os padecentes, onde se sentavam enquanto ganhavam coragem para dizer à menina que gostavam dela”.
Voluntários acompanham os mais novos
Clara Silva é chamada à sala do rancho para exemplificar como se levava uma bilha à cabeça, sempre coberta com um lenço, para encher de água na fonte. Nessa viagem aproveitava-se ainda para lavar a roupa que era levada num alguidar de barro. “Este programa é bastante benéfico para os alunos assim como todas as rotas das Viagens do Zambujinho. É uma mais-valia para os alunos que ficam a conhecer o concelho onde vivem”, realça a professora Mónica Coelho, que acompanha a turma juntamente com a também docente Clementina Bernardes.
Fernando Gomes, de 76 anos, é um dos 17 voluntários que acompanham estas visitas dos alunos à freguesia, transmitindo os seus saberes aos mais novos que, como o seu neto, cresceram num mundo diferente daquele que conheceu na infância. O que mais o surpreende “é a alegria das crianças” e o interesse por aquilo que existia. A visita continua pela Igreja de Nossa Senhora do Paraíso, onde alegremente as crianças tentam descobrir, de entre todas as datas inscritas na calçada envolvente, e nas portas e portões, qual é a que corresponde ao ano de construção daquele edificado.