Grupo de escoteiros do Entroncamento resistiu à ditadura e está ao serviço da juventude há quase um século

O movimento escutista conta com quatro grupos da Associação de Escoteiros de Portugal e 29 Agrupamentos do Corpo Nacional de Escutas no distrito de Santarém. O MIRANTE conversou com escoteiros do Grupo 84 do Entroncamento, a associação mais antiga do distrito, no âmbito do Dia Mundial do Escutismo, assinalado a 23 de Abril.
O Grupo 84 do Entroncamento foi criado em 1929 no seio da Associação dos Escoteiros de Portugal (AEP). Os 95 anos de vida do grupo de escoteiros do Entroncamento têm sido de altos e baixos. Durante o período do Estado Novo, a AEP era considerada “indesejável pelo governo e alvo de perseguições e pressões”, refere o site do movimento. Originalmente fundado com um lenço de cor encarnada, o grupo do Entroncamento viu-se obrigado a adicionar o branco e o preto, presentes no brasão e bandeira do município, porque “o vermelho não era uma cor agradável em tempos de ditadura”, conta Beatriz Rodrigues baseando-se em relatos de antigos membros do grupo.
Esta foi uma de muitas formas que o Grupo 84 do Entroncamento arranjou para contornar a repressão que sofriam por serem uma associação juvenil não católica. Beatriz Rodrigues tem 25 anos, é natural de Torres Novas e dirigente no Grupo 84. Tem gravada na memória a data de 2 de Abril de 2011, o seu primeiro dia no movimento escotista que garante ter tido um papel central no seu crescimento. Durante a sua juventude complementou a actividade escotista com a prática de natação e diz sempre ter sido participativa em projectos escolares, como o parlamento de jovens e clubes de leitura. Mas foi nos escoteiros que encontrou um “modo de vida diferente” que a cativou desde o princípio. “As minhas capacidades de gestão de tempo, de logística, de orientação foram adquiridas nos escoteiros”, salienta.
“O escutismo tornou-me numa pessoa melhor, mais capaz, uma cidadã mais empenhada e mais exigente”, afirma Beatriz Rodrigues. É por querer dar aos mais novos aquilo que também lhe foi dado em tenra idade que a jovem desempenha a função de dirigente da tribo de escuteiros, os jovens dos 10 aos 14 anos. Apesar de estar ao serviço para ensinar e orientar os jovens em formação, a agora chefe garante que continua a aprender. “Os miúdos testam-nos e obrigam-nos a ter capacidade de manobra. Há um crescimento muito grande que se pode fazer enquanto chefe”, assegura.
Quanto ao futuro, a jovem dirigente deposita confiança no projecto da AEP, que tem vindo a desenvolver uma estratégia de uniformização da imagem da associação, visível nas redes sociais. Beatriz Rodrigues considera a AEP “livre de amarras ideológicas” e que esse é um factor cada vez mais importante na atracção de crianças e jovens “O escutismo foi criado para todos, independentemente da sua religião, etnia ou género. E a AEP cumpre esse desígnio”, sublinha Beatriz Rodrigues.
Largar as tecnologias e abraçar a vida no campo
Alguns dos aspectos centrais do movimento escutista são as actividades no campo, em contacto com a natureza, e o desenvolvimento de competências relacionadas com o pioneirismo e a orientação. Por isso o escutismo é, na opinião de Beatriz Rodrigues, ainda mais relevante nos tempos actuais, em que é cada vez mais difícil que as crianças e jovens se envolvam em actividades que não estejam relacionadas com o telemóvel, o computador ou a televisão.
Diogo Romão tem 16 anos e mora em Alverangel, Tomar. Foi escuteiro do Corpo Nacional de Escutas (CNE) durante seis anos e abandonou o movimento católico por não se identificar com o seu carácter religioso. Juntou-se ao Grupo 84 do Entroncamento há dois anos, onde se sente bem por poder continuar a aprender a técnica escutista e aproveitar a vida em campo sem ter de rezar e ir à missa. “Nunca desistir” é o lema que o escutismo lhe incutiu.
Luz Kelly vive em Vila Nova da Barquinha e aos 5 anos quis seguir as pisadas da irmã mais velha e juntar-se à AEP. Luz Kelly pratica basquetebol e confessa que alguns fins-de-semana podem ser esgotantes, entre os jogos e as actividades escutistas, mas não quer deixar nem o desporto nem o escutismo. Com 10 anos, Luz Kelly destaca a Lei do Escoteiro e o pioneirismo, técnicas de como fazer nós e amarras, como as maiores aprendizagens que o escutismo lhe proporcionou. Gosta tanto de estar nos escoteiros que já levou amigos da escola para o movimento. “A melhor parte são as aventuras que vivemos nos acampamentos e poder fazer amizades com escoteiros de outros grupos”, remata com um sorriso.