Samora e o Passado é uma escola viva do folclore ribatejano

Fundado para dar voz aos mais velhos, o Grupo Etnográfico Samora e o Passado, de Samora Correia, tornou-se, ao longo dos anos, uma escola viva de folclore e identidade local, onde a juventude se cruza com as danças e cantares de outros tempos e os trajes contam histórias de antigamente.
O Grupo Etnográfico Samora e o Passado dança com o passado nos pés e a alma no presente. Cada actuação é vivida com intensidade numa apresentação de trajes herdados e modas que sobrevivem graças à persistência de quem vive a tradição como forma de identidade.
Criado em 1987, numa altura em que a maioria dos grupos de folclore apostava na juventude, nasceu com a intenção de criar uma velha guarda onde a sabedoria e a experiência pudessem continuar a viver nos palcos. O tempo passou, mas a fidelidade à memória local manteve-se. E se é verdade que ainda há quem os chame de “grupo dos velhos”, hoje contam com cerca de 60 elementos de todas as idades e uma presença juvenil cada vez mais vincada.
A ligação à comunidade é profunda. A maioria dos trajes usados em palco não foi feita por medida, mas oferecida por antigos elementos ou familiares - como quem entrega um pedaço de si à história colectiva. São roupas que não têm o brilho e a cor dos tecidos modernos, mas carregam nas costuras o peso de outras gerações.
Também nas danças o rigor é regra. A entrada em palco é um reflexo fiel da tradição. Recria os bailes como eram feitos em Samora Correia: com as raparigas a entrarem primeiro, seguidas dos rapazes; as mulheres dançam entre si, num jogo de provocação, até que os homens entram e ‘apertam’ as parceiras para dar início ao baile.
A tradição, contudo, não é um peso. É uma herança que se adapta. O grupo tenta encontrar equilíbrio entre a vontade dos jovens, que preferem danças mais rápidas e vibrantes, e a necessidade de respeitar os ritmos mais pausados dos mais experientes. “O folclore, mesmo sendo do passado, hoje é também espectáculo e é natural que se procure agradar ao público”, admite o presidente da direcção, Rogério Justino, que assume o papel de apresentador e coordenador. Mas o compromisso com a tradição está sempre presente, sendo um reflexo do que se fazia e “não uma invenção para turista ver”. Garante que não há necessidade de inventar e quando é preciso ultrapassar alguma dificuldade as pessoas mais velhas sabem como era. A memória é fundamental.
A nível logístico e financeiro, o grupo sobrevive graças aos apoios logísticos e financeiros da Câmara Municipal de Benavente e da Junta de Freguesia de Samora Correia. Realizam entre 20 a 30 saídas por ano, a maioria permutas, o que obriga a uma gestão orçamental rigorosa. Uma das maiores fatias de despesas refere-se aos acordeonistas, obrigando a muitos ensaios e algumas actuações a performances com música gravada.
A sede própria representa custos fixos mensais, mas o grupo orgulha-se de viver sem dívidas. O Grupo Etnográfico Samora e o Passado conta com elementos com experiência em contabilidade, que asseguram uma gestão cuidada e eficiente. Uma das preocupações centrais da direcção foi, desde o início, a partilha de responsabilidades. “Há grupos em que uma pessoa concentra tudo e depois é complicado. Aqui quisemos evitar isso”, sublinha o dirigente associativo, que já fazia parte dos corpos gerentes há anos, mas só assumiu a liderança há cerca de oito.
Adesão dos mais jovens é constante
Apesar das dificuldades típicas da vida associativa, a adesão dos mais jovens é uma constante. “O espírito de abertura é total. Não fechamos a porta a ninguém, nem é preciso saber dançar”. A maioria dos membros continua a ser de Samora Correia, embora haja também elementos de concelhos vizinhos.
A sede é utilizada em toda a sua capacidade e o grupo já pondera o alargamento do espaço, sobretudo depois do contacto de um grupo ligado ao Carnaval, interessado em partilhar instalações. “O Carnaval também é tradição. E a tradição faz-se todos os dias, não apenas com coisas de há 50 anos”, realça.
Entre as figuras históricas do grupo está Júlia Possante, homenageada recentemente com a Medalha do Foral de Samora Correia pela dedicação desde a fundação. Trata-se de memória viva. Sabe tudo sobre o campo. Momentos marcantes não faltam. Alguns felizes, como os laços de amizade que nascem nas actuações; outros trágicos, como a morte de um dançarino durante um ensaio. “Dizia sempre que queria morrer no folclore. E aconteceu. Caiu ali mesmo, no ensaio”, recorda.
O grupo realiza todos os anos o seu festival integrado nas festas de Samora Correia, um evento apetecível para os ranchos que vêm de fora. Há grupos que pedem para repetir e querem pernoitar na sede para viver a noite, os toiros, o ambiente. A participação em instituições e escolas locais é outro dos pilares da actividade. “Vamos ao lar da Fundação Padre Tobias e as pessoas cantam connosco. Isso é sinal de que estamos a fazer bem”, garante. Os jovens, acredita, estão cada vez mais receptivos ao folclore. “Está na moda e ainda bem. Um aparece e traz outro amigo”, revela.
No horizonte há sonhos, como levar o grupo além-fronteiras. “Já fomos ao estrangeiro, mas não acontece há muitos anos. Não é o mais importante, mas seria um incentivo”. E há também o desejo de crescer com os pés assentes na terra. “Somos muito calculistas nas despesas. Às vezes isso é bom, outras não tanto. Mas é o que nos tem permitido continuar”, conclui.
