Mia Couto: “sempre que passo por Tomar, tenho vontade de ficar aqui uns dias”

O escritor moçambicano Mia Couto foi a figura em destaque na 15ª edição do Bibliotecando, em Tomar. O autor foi homenageado e a sua obra analisada e interpretada por especialistas e leitores. O MIRANTE aproveitou a visita para conversar com o autor, que confessou gostar muito da cidade fundada pelos templários.
Mia Couto, um dos nomes maiores da literatura lusófona contemporânea, esteve em Tomar para participar na 15ª edição do Bibliotecando. Em conversa com O MIRANTE, o autor, que sempre viveu em Moçambique, garante que nunca ponderou morar em Portugal. “Passámos por momentos tão difíceis e nunca me ocorreu sair de lá. Moçambique é o meu lugar, tenho lá toda a minha família, os meus irmãos, os filhos e netos”, explica.
De visita a Tomar, o escritor moçambicano menciona que já conhecia a cidade e que gosta bastante, considerando ser uma cidade que tem o tamanho certo e a história certa. “Eu visitei a cidade só de maneira turística, que não é a maneira que eu gosto de visitar. Ainda não estive em Tomar da maneira que gosto, com tempo, tentando conhecer a história por via das pessoas. Sempre que passo por Tomar, digo que tenho que ficar aqui uns dias”, realça. O autor destaca ainda a importância da realização de iniciativas como o Bibliotecando em locais fora dos grandes centros. “A digressão que faço por Portugal inteiro mostra que não há pequenos lugares nem grandes lugares. Os lugares têm coisas absolutamente curiosas e únicas, cada um deles”, sublinha.
Sobre o estado actual de Moçambique, refere que não é um país que esteja bem, recordando que saiu há 50 anos de uma situação colonial em que teve que começar tudo de novo. “Depois de 16 anos de guerra civil, agora com uma nova guerra que está a surgir no norte já há quatro ou cinco anos, não é fácil percorrer o caminho que outros países percorreram para terem escolas, hospitais, serviços sociais. Tudo isso é ainda muito carente em Moçambique, mas é uma briga onde não perco a esperança”, afirma.
Trabalhando como biólogo numa empresa de estudos de impacto ambiental, Mia Couto considera que os líderes mundiais não precisam de conselhos para combaterem as alterações climáticas. “O que é preciso é aplicar aquilo que já está definido que deve ser aplicado. A espécie humana pensa que está no mundo com a função de administrar e de ser dona e proprietária daquilo que chamamos os recursos. Já o nome recursos é para mim um insulto. Uma floresta não é um recurso, uma floresta é uma entidade”, refere.
O escritor moçambicano foi a figura de destaque da 15ª edição do Bibliotecando, que decorreu a meio de Maio, tendo sido homenageado e a sua obra analisada e interpretada por especialistas e leitores. Mia Couto, pseudónimo de António Emílio Leite de Couto, nasceu e estudou na cidade de Beira, em Moçambique. Aos 17 anos mudou-se para a capital, Maputo, onde hoje ainda vive. Casado e pai de três filhos, trabalha como escritor e biólogo. Tem uma obra literária extensa e diversificada, incluindo poesia, contos, romances e crónicas. As suas obras estão publicadas em mais de 22 países e traduzidas em alemão, francês, catalão, inglês e italiano.
Sobre se tem a esperança de receber o Prémio Nobel da Literatura, o autor mostrou-se céptico. “Acho que é pouco provável. Por razões até de ordem que não são literárias, acho que não me vai calhar essa sorte. Eu não estou nada preocupado, faço o que faço, nunca tendo em vista nenhum prémio”, concluiu.
“Portugal não está tão mal como pensam”
Mia Couto já esteve associado a um movimento político, a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, que se destacou na luta pela independência do país. Foi há 30 anos. Hoje garante que já não quer mais política na sua vida. “Sempre fui uma pessoa de esquerda, mas acho que a esquerda não sabe quem é agora, o problema é esse. Já não me preocupo muito sobre o rótulo, mas continuo a ter ideias que se parecem com uma certa esquerda de há 20 ou 30 anos”. Embora distante, Mia Couto diz que vai acompanhando o estado da política em Portugal. “Eu oiço muito as pessoas a dizerem que está muito mal, terrível. Quem está muito mal é a Palestina, quem está muito mal é a Ucrânia, Portugal não está tão mal como pensam”, defende.